Viajores do espaço
Julho de 1969. Neil Armstrong, astronauta americano, põe seus pés na superfície lunar.
Na Terra, vendo pela televisão, uma telinha semioval branca e preta, de 21 polegadas, juntamente com toda a família (pai, mãe e 3 irmãos), Gordon Silveira acompanha, extasiado, cada passo, cada palavra do locutor... Nada perde.
Vêm à memória histórias em quadrinhos que contavam as sagas dos heróis Flash Gordon (de onde seu pai tirou o nome que lhe pusera ao registrar), e Brick Bradford. Aqueles dois astronautas, agora, eram seus heróis encarnados nos americanos e seus quadrinhos transformaram-se na tela da televisão.
Não diz nada, e sai, sorrateiramente, dirigindo-se a seu quarto, onde mantém, sob total segredo, uma geringonça que imagina ter o efeito de transportá-lo a qualquer lugar do universo.
Essa geringonça é o centro motor de uma nave. Só lhe falta o envoltório, que Gordon está pensando em fazer com a utilização de uma carcaça velha de um Renault Dauphine. Cabe muito bem sob o capô do carro, no lugar do antigo motor Renault. Com alguma adaptação, a alavanca de 3 velocidades do carro iria ser o manche, para as viagens que imaginava fazer logo que passasse o feriado de 7 de setembro.
Por que 7 de setembro? Ainda faltava mais de um mês.
No final de agosto, Gordon estava esperando a volta de sua namorada Rebeca, em viagem a João Pessoa. Fora de férias acumuladas de dois meses e estava aproveitando esse tempo para visitar todos os familiares, pois sabia (ela também não dissera a ninguém os planos) que talvez não os visse jamais.
Seu engenho usava a quebra da molécula de água para utilizar combustível. Estudante aplicado de eletricidade, na Escola Técnica Federal, descobrira um método eficaz da quebra da molécula de água, com a liberação de energia que seria utilizada como combustível de seu engenho. Este nada mais era do que um neutralizador de força de gravidade, um gerador de antigravidade.
Isso os levaria a qualquer parte do Universo, sempre podendo se afastar (por método controlável) da força de gravidade dos corpos celestes, principalmente a Terra, o primeiro a sentir a repulsão.
Existia ainda o problema da respiração. Estava sendo ultimado o coletor do oxigênio obtido na quebra da molécula de água. A carroceria do Dauphine seria o depósito de alimentos não perecíveis para uma semana, que seria o tempo estimado de seu primeiro vôo.
...
Segunda-feira, 8 de setembro.
Saem Rebeca e Gordon - cada um de sua residência - e se encontram na oficina do “seu” Milton, na Rua Frederico, onde está a carcaça do Dauphine, já com a adaptação necessária (inclusive o fechamento hermético dos vidros e das frestas da carroceria normais no automóvel).
Conferem os alimentos a serem transportados, todos não perecíveis (ou pouco perecíveis, ou seja: em conserva). Levam garrafas com água e refrigerantes, biscoitos, latas de sardinha em conserva, feijão e arroz crus, uma caixa de fósforos. E uma pequena panela de alumínio.
Põem o veículo na rua e enchem o tanque de combustível com ... água.
Ao toque do botão de partida, com a bateria de 6 volts do carro, inicia-se sua primeira viagem.
Lentamente, o carro vai levitando, ganhando altura. Em poucos minutos, desaparece sobre os coqueiros, indo ao céu.
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Primeira escala: Marte.
A escolha de Marte se deve ao resíduo atmosférico semelhante ao da primitiva Terra, onde os cosmonautas irão realimentar seu veículo. Esta realimentação será feita por catálise a partir do metanol ali existente, em estado gasoso, em mistura com metano e nitrogênio.
A descida lenta (por reversão do mecanismo antigravitacional) leva-os a uma superfície arenosa, irregular. Sabem não poder descer na superfície, por conta da rarefação de sua atmosfera. Têm, para coleta de material, a adaptação no próprio motor, que suga o álcool necessário.
A noite em Marte é extremamente fria. Para driblarem esse extremo de temperatura, precisam de se deslocar constantemente, para ficarem sempre na zona de penumbra, no ocaso do sol.
Realimentado o veículo e descansados os cosmonautas, ingressam em uma viagem bem mais demorada. Procuram um planeta que fica no centro de gravidade da órbita das estrelas gêmeas de Alfa de Centauro.
(A leitura de quadrinhos de Brick Bradford os levou a acreditar nesse planeta. O número da revista que trouxe tal informação esgotou-se rapidamente, e não existe - que soubessem - outro exemplar com alguém conhecido dos dois. São os únicos a deter tal informação.)
Será - como previram - uma viagem bem mais longínqua. Terão que viajar a velocidade superior à da luz, para alcançarem tal planeta em pouco tempo. O tempo é importante pela escassez de suprimentos que o Dauphine comporta.
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Chegam ao planeta narrado por Brick Bradford. Sua atmosfera é extremamente semelhante à da Terra. Cheio de vegetais, fontes de água (doce e salgada).
Arriscam descer do Dauphine. Notam a diferença do sol. Ou melhor, dos sóis. Giram em órbita um do outro, tendo ao centro, no ponto de projeção do centro de gravidade das duas estrelas, o planeta onde pousaram Gordon e Rebeca.
Lembraram-se das crenças antigas, de que o Sol girava em torno da Terra. E, em suas conversas, imaginaram ser aquela crença - talvez - uma memória cósmica de civilizações alienígenas que habitaram nosso planeta. Afinal, a semelhança da flora era muito grande. Não reconheciam as espécies vegetais, diferentes que eram de suas conhecidas da Terra, mas suas características biológicas eram idênticas.
Os víveres dariam para mais três dias (da Terra), que ali não saberiam avaliar em termos de rotação do planeta, embora o tempo fosse o mesmo. Arriscaram-se e fizeram pequena aventura na mata próxima. Interessante, não havia vestígios animais no planeta. Apenas vegetais. Mas havia a sensação de que estavam sendo espiados, observados.
Gordon lembrara de levar uma máquina fotográfica Kapsa e três rolos de filme 120, o que daria para fazer 72 fotos. Registraram fotograficamente algumas zonas de vegetação rarefeita e as copas das árvores maiores, que chegavam, como na Terra, a uns 50 metros de altura.
Até então, a viagem tinha sido tão excitante, tão estressante (emocionalmente), que o casal não tivera tempo de pensar nos dois como homem e mulher. Depois de um descanso e refeição, deram-se por si e amaram-se à sombra daquelas árvores estranhas, sempre com a impressão de que estavam sendo observados.
...
Três dias (contados pelo tempo da Terra) após, voltam os viajores, diretamente ao nosso planeta.
Antes da decolagem, Gordon faz uma revisão na máquina, reabastece de víveres que encontrara e arriscara comer (pouco, pois saberá ser curto o tempo de retorno), deixa a um canto, como lixo espacial (marcas de sua passagem), algumas garrafas de refrigerantes vazias e latas de sardinha abertas. E fotografa mais alguns detalhes do fantasmagórico planeta brickbradfordiano.
Aproveita, também, para deixar seus sinais naquele planeta. Vai a uma árvore, ainda pequena, e lhe marca o tronco com as iniciais GR.
O pouso na Terra se faz no sábado, 13 de setembro. Local de pouso: praia de Barra de Jangada, ao sul do Recife, um local despovoado, arborizado (embora não tão arborizado quanto o planeta de onde provieram).
Pensando em retornar ao planeta e - quem sabe? - explorar outros mundos, o neo-cosmonauta esconde o carro à sombra de um pequeno cajueiro, próximo a uma trilha que serve de passagem a alguns pescadores e raros banhistas que procuram uma ponta de praia próxima, do outro lado de um rio que por ali passa, chamada Ilha dos Amores.
Não há transporte pela redondeza. E têm que tirar um bom trecho a pé até o terminal de Candeias, onde apanham um ônibus. Entram e... Caem num sono profundo. São acordados à noite, na garagem da Empresa São Paulo, próxima à Encruzilhada, ponto de partida da louca viagem.
É noite. Gordon vai para sua casa. Ao chegar, liga seu televisor e vê anunciar um novo desenho animado: Scooby Doo. Título do episódio: “Cadê você?”
Rebeca aproveita para dormir a noite toda, um sono pesado, sem saber bem por quê.
...
19 de setembro de 1969.
“Seu” Cícero, pai de Gordon, chega do centro da cidade, onde fora buscar, na Ótica Universal, umas fotografias que mandara revelar na segunda-feira.
— Gordon, ô Gordon!
— Diga, Papai!
— Que plantas esquisitas são essas que você fotografou?
— Plantas?! Nem peguei nessa máquina!