Viver

Clarice estava com muita dor nos olhos. Havia chorado muito e isso sempre acontecia quando chorava. Será que isso é normal? Que dor infernal! Mas as lágrimas são chamadas de hemorragia branca, pois, assim como o sangramento feminino, evita muitas coisas, como um enfarto. Como ela gostaria de ser diferente! De poder enfrentar as situações sem cair, sem se fragilizar. Mas como mudar a natureza de cada um? Ela era assim e pronto. Se alegre, pulava, ria muito, era só felicidade. Mas se a dor se apossasse dela, somente lágrimas, muitas lágrimas, muita tristeza, não existiam meio termos. Será que era isso que seu amigo chamava de intensidade? Intensidade em sentir. Sentia tudo de uma forma profunda, ou não sentia nada. Sim, ela foi capaz de não sentir nada durante muitos anos. Quando resolve se fechar, não demonstra nenhuma espécie de sentimentos. Além de ser fechada em sua alma e seu coração. Não, não gostava de falar do que havia em seu interior, de seus maiores segredos, dores. Também isso fazia parte de sua natureza.

Mas que dor horrível! Ela sentia que se não reagisse, as dores poderiam se tornar ainda mais insuportáveis. Enxugou as lágrimas, lavou o rosto, tomou um comprimido e dormiu, decidida a acordar, no dia seguinte, renascida. Já havia chorado toda a dor, o que viesse seria lucro.

Por que ela chorava? Porque, há duras penas, aprendera a viver um dia por vez, sem perspectiva sequer de se divertir, de planejar algo, de criar expectativas, de ver alegria lá na frente. E se acostumara a se alegrar com pouco, muito pouco, o que era possível. Coisas tão simples que os demais poderiam achar pouco para gerar alegria. Mas não para Clarice, que sabia que a vida lhe dera mais dores do que alegrias, que os fatos que surgiam em sua vida eram mais dolorosos do que alegres. Mas ela estava sempre rindo, pois não daria o direito a ninguém de ter acesso à tristeza que se escondia por trás do riso. Mas, pela primeira vez, ela ria de verdade. Havia luz em sua vida. Mas a luz se apagara. O que mais lhe doía era o fato de ser ela mesma a causadora da desilusão. Como pode ser tão burra! Bem, talvez a falta de contato com muitas pessoas não lhe dera o pleno conhecimento da natureza humana em todas as suas potencialidades. Ah, por quê? Por que não lhe deram uma segunda chance, onde ela pudesse se adaptar ao fato de a outra pessoa ser diferente? Mas tudo bem, se tinha que ser assim... Mais uma paulada da vida. Isso sim, era normal em sua existência.

Clarice acordou melhor, sem lágrimas e sem dores nos olhos. Durante todo o dia lutou contra qualquer sentimento, ou pensamento, negativo ou triste. E conseguiu! Mas uma vez ela conseguiu sair do poço sem fundo. E, à cada queda, sentia-se mais forte. Mas não podia negar que demoraria muito a ver a cicatrização dessa última ferida, pois, como já foi dito, pela primeira vez, em toda a sua vida, ela acreditou em algo, ela viu luz.

E começou a pensar nas pequenas coisas que lhe davam prazer, para, a partir do dia seguinte, buscar o consolo que tanto precisava. Seriam, como sempre, coisas simples, mas que dariam um pouco de prazer na vida. E, dessa forma, erguer a cabeça, disfarçar a dor e seguir adiante, como sempre fizera, rindo e altiva. Mas por dentro, ela sabia, nunca mais seria a mesma. Não depois de ter se permitido sentir, o que há tanto tempo não fazia.

E viva a vida! Madrasta, mas vida!

Campos dos Goytacazes, 12 de janeiro de 2014 – 22:19 horas

Emar
Enviado por Emar em 12/01/2014
Reeditado em 12/01/2014
Código do texto: T4647039
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