UMA TARDE NA PRAIA

Sentada na areia macia de uma praia qualquer em Florianópolis está Samanta, cinco anos de idade e muitos sonhos na cabeça, um deles é ser cientista da NASA - descobrir um novo planeta, pra falar a verdade, é seu grande sonho. Ela brinca sem vontade com sua pazinha amarela e seu baldinho estampado com pequenas tartaruguinhas que brincam no fundo do mar com uma espécie de tubarão. Samanta rejeita o baldinho, sabe que a vida não é tão alegre assim, sabe também que as tais tartarugas estão à beira da extinção.

Samanta chama pela mãe, Savana, perua loira e magérrima, estirada em sua cadeira, tomando sol à La vontê. Ela está a quatro metros de distância da filha, mas parece que está a milhares de anos-luz.

-Mamãe, o papai não vem?

-...

Savana nem se mexe. Parece até uma estátua dionisíaca.

Savana é o estereótipo da mulher qualquer, que gosta de absolutamente tudo que uma mulher comum gosta, isso e um pouco mais, com uma pitada de atrevimento. Seu biquíni floral ralíssimo e óculos escuros enormes não deixam transparecer a vontade dela, vontade de ser observada. Ela vive para isso, para ser comentada. Só não acreditai nela, leitor, como brasileira autentica, pois possui coração fraco, abre seu corpo e suas vontades para qualquer tentação.

Samanta remexe-se na areia, enfia as mãos por baixo da areia quente, encontra uma concha de eremita, coloca no ouvido. Nada ouviu, pelo contrário, sentiu, através da concha, o intenso silencio entre ela e a mãe. Ela olha para o mar por algum tempo, atenta para cada quebrar de ondas, imaginando ser qualquer coisa obscura dentro do seu coração inocente, já parcialmente devastado. Seu coração apertado grita mais alto, é mais forte que o medo da mãe.

-Mamãe... - engolindo a seco-, o papai não vem?- Em seus olinhos boião lágrimas, uma gota cai, procurando seu destino, o mar de tristezas de Iemanjá, como na história, que, segundo nos contam os deuses, ao verem a criação de um irmão, escolheram um planeta para chorarem as suas lágrimas, a terra, e assim nasceu o mar.

Savana descruzou as pernas e tornou a cruzá-las de maneira contrária. Começou a passar bronzeador nas pernas já lustradas, sem dar atenção à filha. Um rapaz segurando uma prancha passa por Savana e murmura algo que a faz sorrir, satisfeita.

Um vendedor ambulante passa ao lado de Samanta e lhe oferece um dos coloridos bolinhos de seu tabuleiro.

-Quer? - Ele perguntou, cordialmente, naquele sotaque catarinense.

Samanta olha rapidamente para mãe, baixa os olhos para areia, volta-se para o homem:

-Não, obrigado, não posso...

O ambulante olha para Savana com olhar de reprovação e retoma sua labuta, Samanta segue-o com os olhos, enquanto ele oferece o mesmo bolinho à outra criança, que agarra o bolinho, enquanto um homem dá o dinheiro ao homem, provavelmente o pai.

Perdida em seus pensamentos, Samanta nem percebe que a mãe deixou um enorme coco ao seu lado, com dois canudos enfiados. A criança olha para mãe, que, sem mexer os lábios vermelhíssimos de batom, murmura:

-Beba.

Samanta sentiu coragem para perguntar:

-Mamãe, onde está o papai, que não chega logo?

-...

Sem resposta, o coração da mulher fechou-se para filha. O mar fala mais alto que qualquer coisa. Duas crianças passam por Samanta, acompanhadas uma pelo pai, outra pela mãe, Samanta sente qualquer coisa a apertar-lhe a garganta, ela ainda não conhece este sentimento, esta tortura que é a angústia.

-Quero meu pai... -murmurou baixo, para si mesma, com o coração aberto.

Repentinamente, Savana levanta-se, Samanta a observa calada e imóvel, enquanto a mãe retirava algo da bolsa transparente, é um papel, coloca-o sobre a cadeira. A mulher recolhe a toalha, retira o celular enfiado na areia e sobe as escadas que desemboca no calçadão. Em poucos instantes, Samanta já não vê mais a mãe, que misturou-se na multidão em debandada.

Samanta vai até a cadeira e pega o papel, abre-o, não sabe ler, não por não ter aprendido, mas por não compreender a caligrafia confusa de quem a escreveu. Ela chama um vendedor ambulante que passa por perto, estende o bilhete ao homem, ele lê para si primeiramente:

“Sinto por não ter sido uma boa mãe...

PS: Seu pai não virá.”

O homem baixou os olhos para criança, que o observava curiosa.

-O que diz aí moço?- Ela diz, apontando para carta.

O homem dobra a carta e a coloca no bolso.

-Nada querida, não é nada não, espere sentada aqui que sua mãe já já volta.

O homem dá a menina um de seus enormes pasteis e desaparece no horizonte dourado da areia. A menina olha para o mar, para as ondas que quebram em brumas brancas, enfeitando a praia.

Samanta continua ali, na mesma posição, com o pastel escorrendo gordura quente numa das mãos e na outra a pazinha amarela, e no peito, o coração aberto, sem saber das verdades do mundo.

14/11/11 ESCRITO 21/12/2013 TERMINADO

Bego
Enviado por Bego em 06/01/2014
Código do texto: T4638023
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