A SOLUÇÃO

Um certo homem,crente fervoroso de orações bombásticas, pregações com teor triunfalista e fé contagiante, esperava para ser atendido na antessala do Banco Divino pelo senhor Jesus. Devido a alguns “passos de fé” estava com o nome comprometido no spc, algumas prestações atrasadas do suv que comprara,do aluguel do apartamento na zona nobre, do colégio particular das crianças além de dívidas com amigos e parentes.Embora sustentasse um positivismo intenso, receava o dia em que não mais poderia manter seu padrão de vida.

Cada pessoa que saía do escritório trazia consigo uma maleta de couro, o que aumentou ainda mais suas expectativas. Tinha certeza que o Senhor resolveria seus problemas e já imaginava a reação dos que duvidavam dele quando esfregasse em suas caras a quitação de suas dívidas. Era herdeiro do reino de Deus, mais que vencedor, como poderia permanecer nessa opressão? Talvez tivesse exagerado um pouco, mas era um visionário.Acreditava em um Deus proporcional aos seus sonhos, não aos seus medos. Sim, a vitória era certa.Mas por que havia um certo tremor no fundo?Uma dúvida sorrateira observando pelas frestas em sua alma?

Olhou à sua volta o ambiente vazio, como que a procura de uma sombra, um vestígio que pudesse se agarrar e afirmar a convicção de que aquilo não provinha dele mesmo. Era uma cilada, uma astúcia do diabo para desencorajá-lo a requerer seus direitos. De algum modo o dito cujo o influenciara sem que percebesse.

Antes que começasse uma preleção repreensiva, uma moça abriu a porta e o chamou com um sorriso:

-Senhor Vitorino, pode entrar.

Ele se ergueu estufando o peito, o olhar adiante, cumprimentou a moça com um “paz do Senhor” enérgico e dirigiu-se à mesa principal do escritório. Notou que o ambiente era um tanto mais simplório que a antessala como também menor do que esperava. E aquela jovem?Maquiagem demais,jóias demais e vestido muito justo.

Quando ele se aproximou da mesa, o Senhor girou a cadeira e ofereceu um sorriso.

-Fique à vontade, Vitorino, a casa é sua.

Vitorino acomodou-se na cadeira e sentiu-se invadido por um conforto que jamais experimentara na vida. Reparou que Jesus não usava terno, apenas uma camisa pólo branca e calça jeans. Mas tentou relevar isso.

- E então, o que o traz aqui?- perguntou o Senhor

-O senhor sabe de todas as coisas.

Jesus riu.

- Bom, disso eu sei, mas eu gostaria que você me contasse.

O homem sentiu um calor no rosto. Desapertou um pouco o nó da gravata e inclinou o corpo para frente.

- Senhor, tenho sido fiel à ti. Labuto ardorosamente na obra,tenho ministrado vidas, manifestado o dom de cura que me deste. Nunca, nunca deixei de dar o dízimo, por mais difícil que estivesse a situação. Cumpro com minhas obrigações como sacerdote do lar ensinando minha família na Palavra, prego aos pecadores. Mas tenho enfrentado uma batalha muito grande na área financeira.

Jesus encheu um copo com uma jarra e estendeu à Vitorino

-Aceita suco de caju?

Vitorino olhou-o com um ar grave e pegou o copo.

-Você realmente tem um currículo admirável- disse o Senhor- Mas espero que não esteja se enganando, como muito por ai, com a idéia de que andar na linha garante isenção de problemas. Não é o seu caso, é?

- Não, n-não ,que isso, Senhor.-Vitorino deu um gole exagerado- Eu sei que no mundo tenho aflições. Seria falta de maturidade espiritual pensar isso.

- Ótimo. O que mais?

- Acontece, meu Senhor, que estou precisando de recursos para quitar o carro, resolver a situação do aluguel, a escola das crianças. Como posso pregar sobre prosperidade numa situação dessas? O devorador está arrebentando comigo. Chega na metade do mês não sobra dinheiro nem para almoçar com os pastores. Já passei uma tribulação séria com um cartão de crédito bloqueado quando fui pagar um jantar para um bispo.Vergonhoso.

- Entendo. Mas não se preocupe com o bispo, na verdade ele achou até divertida a situação. Tem servido de material para as pregações. Quanto ao devorador,bom, na verdade não consta nenhuma atuação dele nessa área em sua vida.

- Não pode ser, Senhor, é a única explicação.Ele está vendo o quanto tenho abalado as portas do inferno.Está furioso comigo.

- Com quem ele não está furioso, filho?Se ele é uma criatura de puro ódio e desprezo? Acha que fazer o mal faz com que ele o ame?

Vitorino abre a boca, mas nada diz.

Jesus dá uma risada e enche outro copo, embora a jarra pareça ter menos que o suficiente.

- Sim, seria estranho se dissesse:tá repreendido em nome de Jesus.Mas resolvamos a questão. Você quer dinheiro, certo?

- Bom,Senhor, é isso.

- Ou seja, você vem até mim só para pedir dinheiro? Ou prefere que faça um milagre nas dívidas?Quer que elas sumam?E depois? Vai me agradecer, contar que tenho sido fiel, vai dizer a todo mundo que operei em sua vida, certo? Deixe-me lhe dizer uma coisa, Vitorino.Vou lhe dar duas opções, uma pode resolver os seus problemas, a outra pode mudar a sua vida. Aqui no banco existe uma regra de que ninguém sai de mãos vazias, mas não significa que terá aquilo que quer, portanto...

Jesus retira duas pastas de couro de debaixo da mesa e põe sobre a mesa. Abre-as e continua:

- Aqui está tudo o que você precisa para pagar suas dívidas e um pouco mais até. E aqui tem prudencia, sabedoria e confiança. Só quero alertá-lo que a questão toda são suas atitudes impensadas. Existe uma diferença entre agir por fé e agir por convicção pessoal.A fé não pesa mais que a prudência.Não espere que eu endosse seus erros apenas porque usa meu nome. Agora é com você.Como vai ser?

Vitorino tinha os olhos arregalados com a visão de uma pilha de dinheiro em uma pasta. Nunca tinha visto tanto na sua frente. Passou a língua nos lábios, a mão na cabeça, o coração acelerado. Com relutância olhou para a outra e sentiu um tijolo no coração.Tudo o que havia era uma caneta e um bloquinho, ambos não valiam nem um décimo do valor da própria pasta.

Seus olhos correram de uma maleta a outra, paravam em Jesus e voltavam. Ora, o Senhor estava lhe dando o livramento de um jeito ou de outro.Não compreendia como papel e caneta resolveriam seus problemas, mas talvez fosse uma estratégia.Pensou no rei Salomão que pedira sabedoria e ganhara riquezas também e sorriu.

- A propósito, só poderá sair com apenas uma das maletas.- interviu Jesus

O homem teve um sobressalto. Olhou para o bloquinho, a caneta, lembrou do vencimento da prestação do carro, da casa, da escola. As atitudes estranhas dos amigos, da família.Considerou, no entanto que precisava confiar no Senhor, a qualquer custo. Uma angústia explodiu em seu íntimo.

-Senhor, eu fico com esta.- disse com um arquejo.

Jesus lançou-lhe um olhar sério

-Tem certeza, Vitorino?Sabe que se sair com ela, não poderá voltar.

-Tenho sim, senhor.

-Sabe que terá que aceitar as coisas daqui para frente porque fez essa escolha.

-Sim, eu sei.

-Então vá em paz, meu filho. Quando puder volte para tomar um café.

Vitorino cumprimentou o Senhor, pegou uma das maletas, esbarrou na moça sem se desculpar e se foi

Jesus se levantou, olhou para a maleta restante.

- Mais um Senhor?-perguntou a moça

-É, filha, mais um. Dentro de alguns meses ele vai voltar, pena que em situação pior.Ainda existem muitos que dizem crer, mas no fundo só puderem ver.

Encheu um copo de suco até quase transbordar, estendeu para a jovem e fechou a mala com o bloquinho e a caneta.