À Margem ( parte 2 )
"Tive tempo de sondar toda rotina daquela que agora para mim não passava de uma meretriz, mulher suja, sem valor, mas que estava impregnada em mim com seu cheiro, e tudo mais que nela havia.
Mas estava decidido, ela não iria continuar com aquilo, não servia mais para mim, nem para o mundo, não iria mais viver, e então finalmente o dia em que no regresso, depois de uma noite possivelmente agitada por homens bebidas e muita musica, que alimentava com requintes cruéis o meu pensamento, fiz a abordagem, consegui arrasta-la àquele ponto que havia se tornado palco da minha dor, com ela amordaçada, depois de muito esbofeteá-la iniciei a violência que naquele momento para mim era néctar de suave doçura, teria que possuí-la, ainda que desfalecida, indefesa, e assim o fiz como um louco, para logo depois em um desvario de loucura entregá-la de presente àquele que foi meu único amigo, meu confidente fiel, pois ouvira e vira tudo em silencio, e como grande amigo a receberia mesmo suja como era, a levaria embora para sempre, me ajudaria a livrar me daquele doce demônio que me avassalou o viver, e ainda cuidaria de mim lavando me o corpo, como a limpar também as impurezas impregnadas na minha alma com aquele ato de insanidade profunda, profana, o desrespeito com aquele ser que tinha o direito de se afundar, o que não dava a quem quer que fosse o direito de afunda-la, tirar lhe a vida, submergir seu corpo, mesmo assim eu fiz, rolei-a rio abaixo amarrada sem defesa e assisti por breves instantes, saciado, seus últimos instantes de vida.
Vida que eu sem perceber muito antes dela, já havia deixado de viver, sim eu ainda respirava o ar, ainda sentia o sangue pulsar em minhas veias, ainda possuía um corpo, que já há muito tempo não prezava, ou aliás desprezava com muita intensidade , ser , estar , viver nada mais tinha sentido, estava louco perdido em mim mesmo, a imagem dela a me perseguir a voz a gritar em meus ouvidos:
Assassino... Tentava me afastar daquele lugar mais voltava sempre, lá estava eu acorrentado ao crime que havia cometido, e como não podia deixar de ser, acabei sendo em pouco tempo, preso ali mesmo no local do meu delírio, acusado e condenado pela lei e justiça terrena.
Até ali ainda não sabia , mas não fui sozinho lá estava ela comigo, se encarregando de que todos soubessem o que eu havia feito com ela, em todos os detalhes, em muitos momentos, obsediado totalmente sem controle dizia , descrevia como as coisas aconteceram.
As consequências foram catastróficas, pois passei a ser perseguido, e por muitas vezes torturado , e como ela também amarrado e violentado por muitas e muitas vezes, os requintes de crueldade eram bizarros, não posso descrever com detalhes os acontecimentos aos quais fui submetido por longo tempo, já não suportava mais tamanho sofrimento, pedia a morte não era mais dono do meu corpo, nem de mim, era propriedade de todos que quisessem, e nada podia ser feito, e diante do inevitável meu corpo adoeceu, meu espírito já estava doente há muito tempo pela dor, o ódio, o rancor e toda sorte de sentimentos ruins que alguém poderia permitir carregar, e agora o meu corpo físico experimentava os primeiros sinais de deficiência causado por aquele vírus adquirido na exposição e prática dos abusos contra ele cometidos.
Como se sabe quem se tornava soropositivo, naquele tempo era além de muito discriminado, praticamente desenganado pois os recursos nem de longe se chegam próximos aos dos dias atuais.
E assim considerado como doente incurável, e com o corpo totalmente debilitado, sofri muito com doenças infecções que não se curavam o tempo passou e um dia abandonei aquele corpo em meio a um sono que não sei precisar quanto tempo durou.
Só sei que me libertou daquele sofrimento , da prisão terrena, da prisão do espírito, pois aquela que pela dor, revolta, e pelo ódio se tornou a minha obsessora, e nessa vibração passaria a eternidade em vingança contra mim numa frequência de ódio que todo sofrimento possível e existente não aplacaria sua sede de vingança eu porem nesse estagio já quebrado pela dor por todo sofrimento a que fui subjugado e submetido, e agora finalmente abatido pela doença , tive tempo de ouvir a voz do arrependimento gritando dentro de mim em minha alma, que agora também gritava por socorro , pude ainda em vida, através da dor e da doença conviver por dias a fio com a presença da morte que a cada dia era mais real , e me apavorava, sem saber que toda essa dor me ajudaria a me libertar, das prisões do corpo e da alma meus últimos dias encarnado na terra se encerrou na enfermaria de uma prisão, um lugar frio, sombrio, gélido de amor..."
Continua no texto: À Margem ( parte 3 )