CINDERELA SONOLENTA
CINDERELA SONOLENTA
BETO MACHADO
A animação da torcida do time de nome estranho, Pé de Chumbo, causou um efeito muito negativo no time adversário, que, a despeito de estar jogando no seu próprio, se entrincheirou na defesa, de maneira tal que Nivaldo, técnico do Pé de Chumbo, desconfiou e ordenou a seus zagueiros que não se aventurassem no ataque. Maurição e Tico davam conta do recado. E deram mesmo. Garantiram a vitória que colocava o time na final do campeonato.
Maurição era o artilheiro do time e do campeonato, com uma vantagem de mais de dez gols para o segundo colocado. Contudo, a sua fama perante a torcida feminina do Pé de Chumbo era motivada mais por sua aparência de galã de novela do que por sua produtividade no campo.
Vaninha era a torcedora mais assanhada do Pé de Chumbo. Não se incomodava em abandonar o pudor, e jogar-se totalmente sobre Maurição, diante da menor oportunidade. Não foram poucas as repreensões mas ela não tava nem aí. Certa vez, instada a falar sobre um exporro recebido do técnico, por ter retardado o reinício da partida, depois de um gol de Maurição, ela insinuou que Nivaldo era boiola e que ele queria disputar o artilheiro com ela. Com essa afirmação ela conseguiu desagradar tanto Nivaldo quanto Maurição. Nivaldo chamou Vaninha para conversar. O bate papo não foi nada amistoso. Estava mais para bate boca. E só não virou bate na boca por intervenção da turma do deixa disso. A partir desse dia aumentaram as dificuldades de Vaninha quanto a sua missão de conquistar o coração de Maurição.
As parcas vezes que Vaninha conseguiu agendar encontros com seu pretendido o artilheiro chutou pra fora, deu desculpas no dia seguinte, não compareceu, perdeu por WO. Mas não se pode desacreditar da perseverança de uma mulher apaixonada.
Tarde de sábado ensolarada, Vaninha encerra o expediente do seu trabalho. Ligou para Maurição e conseguiu um encontro próximo do trabalho dele.
A cerveja descia redondinha tanto pela temperatura quanto pelo alto astral de Maurição. Parecia que eles estavam “adivinhando passarinho verde”. Vaninha percebe que o dia tava propício para dar o ataque definitivo.
--- Que tal a gente terminar a noite juntinhos?
--- Caramba!!! Pensamos na mesma coisa.
--- Fechado, então?
--- Claro.
A cama redonda do motel perdeu de goleada para a mesinha do bar de onde vieram os pombinhos enamorados, etilicamente fartos.
Vaninha fez, sem nenhum êxito, das tripas coração para estimular a excitação do seu goleador. Tentando evitar constrangimento do parceiro ela foi ao banheiro e lá ficou o tempo suficiente para que ele caísse num sono profundo, acompanhado de uma trilha sonora produzida por vibrações guturais de fazer inveja aos grandes felinos.
Estava ali, agora, desfalecido, o herói dos gramados; caído como os goleiros que tentavam defender suas balizas do toque mortal do seu algoz mais temido e acabavam estirados no fundo das redes. Vaninha olhava com ares de pena aquele gigante, terror dos zagueiros, prostrado, impotente, morto para um embate sexual, nocauteado. Restou a Vaninha ligar a TV e zapear os canais até que o seu sono também chegasse ou que o motivador de sua decepção acordasse.
O domingo herdou o clima do sábado e o pessoal do time do Pé de Chumbo se reunia euforicamente no bar de onde sairá o ônibus que os levará ao campo de jogo da decisão do campeonato. Os jogadores estavam todos com aquela ansiedade costumeira, antes de toda partida importante, mas a variedade de assuntos discorridos fazia com que um ou outro do time dispersasse o pensamento, perdendo o foco do jogo. A medida que se aproximava a hora da saída do ônibus aumentava a apreensão da torcida em razão da ausência de Vaninha, a animadora mais eficaz no ato de desestabilizar o time adversário. Duas amigas mais íntimas de Vaninha se propuseram ir a casa dela para saber o que estava acontecendo.
Em nossas vidas passamos por certos transtornos que nos impõem traumas marcantes e transformadores.
A decepção do dia anterior produziu na cabeça de Vaninha um amontoado de dúvidas: Será que ela gostava mesmo de futebol?; A sua afeição pelo time do Pé de Chumbo era igual ou menor que a que ela sentia por Maurição? Depois dessa bola fora valeria a pena continuar lutando por um homem que não correspondera a sua expectativa, logo na primeira “luta” no “tatame”? Antes que lhe viessem essas respostas bateram no portão de sua casa, aos berros, duas amigonas suas que a convenceram a ir ao jogo.
Enquanto se trocava Vaninha decidiu que não tocaria no assunto. Faria o possível pra que ninguém percebesse seu baixo astral.
A partida de futebol transcorreu dentro da tranqüilidade esperada, pois o Pé de Chumbo espantou a zebra logo no primeiro tempo, com dois gols de Maurição e um gol de Tico. No intervalo a torcida do potencial campeão já festejava como tal. A antecipação produzia nos torcedores um sentimento inversamente proporcional àquele experimentado pelos perus de Natal. Era só alegria. Aquelas favas já estavam contadas, de tal forma que o ataque titular do time pediu ao Nivaldo que colocasse o ataque reserva.
Final de partida.Tudo confirmado. Pé de Chumbo campeão!!!
É campeão!!! È campeão!!!
Mais uma vez Vaninha puxando a torcida misturada aos atletas e à comissão técnica... É campeão!!!--- Essa era a voz uníssona dando a volta Olímpica.
Muita batucada e bebidas na viajem de volta. Maurição se comporta dentro do ônibus como se, na noite anterior, não tivesse acontecido nada de errado entre ele e Vaninha. Mas ela não se fez de rogada.
--- E aí, Mau... Nada a declarar?
--- Claro que sim. Sou campeão.
--- No campo sim...Mas...
--- É uma indireta?
--- Sim. Mas se você quiser eu vou direto ao assunto.
--- Mas o momento não é oportuno.
--- Concordo... Oportunamente poderemos falar sobre o fato de ontem. Agora vamos comemorar o campeonato.
Uma das duas amigas de Vaninha, a que fez mais barulho no portão de sua casa, ouvia, do banco de traz, a conversa com o artilheiro.
Ao desembarcarem em frente ao bar, local de onde saíram pra buscar o “caneco” Vaninha se surpreende com o chamado de sua amiga, à parte do grupo que parece estar em estado de êxtase.
--- Vaninha, eu ouvi a tua conversa com o Maurião. Você foi mais uma que caiu no conto da CINDERELA SONOLENTA.
--- Como é que você sabe disso?
--- Ah, menina, isso já é quase de domínio público, no meio dos boleiros. A maioria das mulheres que saíram com ele falam a mesma coisa.
--- Pois ele dormiu mesmo. E, pior: ereção nenhuma. Fiz o que pude e o cara nada, nem sinal de vida.
--- pois eu tive uma surpresa agradabilíssima. Sabe aquele coroa que dava em cima de mim?
--- Sei.
--- Eu caí na asneira de dizer que ele já estava no escanteio, menina, ele me deu uma lição primeiro e depois uma surra.
--- Que horror!!! Ele te bateu?
--- Não... Foi uma surra de “vara” na cama.
--- E qual foi a lição?
--- Eu crente que ele ia ficar puto com a estória de escanteio, Vaninha, o véio, cheio de diplomacia, me perguntou se eu sabia o que era gol Olímpico.
--- E você ?
--- Disse que sim. E qu acho muito bonito.
--- E ele ?
--- Falou: “Pois bem, só pode fazer gol Olímpico quem estiver em situação de escanteio. Logo eu estou preparado e querendo muito fazer um gol Olímpico no teu time. Só falta você marcar a data e escolher o campo.”
--- E daí, gostou ?
--- Se gostei, heim. O véio é o “bicho da coleira preta”. Na sexta feira que vem vai ter outra partida. Esquece esses CINDERELAS SONOLENTAS, bonitões e mais nada, e cai matando pra cima dos coroas, que a classificação é garantida.