FRAGMENTOS DE CARTAS

                                Querida Cecília
         Fiquei feliz ao saber que foste aprovada no exame de admissão. Também tive dificuldade com a matemática. Todos os meus colegas falam isso: matemática é a parte mais difícil. Mas, afinal, venceste uma etapa e isso é o mais importante. Deves ficar feliz com essa vitória. Torço por ti e te mando meus parabéns por teres conseguido.
         Acho que não deves te importar muito com o que tua mãe falou. Talvez ela queira apenas o teu bem e o que falou foi apenas uma tentativa de te mostrar que podes render muito mais e ser, afinal, uma vencedora, como eu te vejo. Não guarda mágoa dela. Com o tempo ela vai entender teu esforço e te aplaudir nas tuas vitórias. Deves entender que ela se sente muito só depois que teu pai foi embora. Acho que ela está triste e, às vezes, descarrega sobre ti esta tristeza. Com o tempo isso passa e ela vai te compreender melhor.
         Ontem, o Mário veio aqui em casa. Falamos em ti, do tempo em que estudávamos juntos. Ele gosta muito de ti. Como eu. Combinamos de um dia nos encontrarmos, para relembrar aqueles tempos do Colégio.
         Ah! Uma última coisa: não dá bola para tua mãe quando ela diz que “prefere morrer do que viver esta vida de merda”. Isso é apenas uma forma de expressão. Ela, por certo não quer morrer. Está apenas querendo atenção. Relaxa que não é nada sério.
         Um abraço do teu amigo.
         Porto Alegre, 12 de abril de 1.972.
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                   Querida Cecília
         Tenho sentido muita saudade de ti. Lembro quando saíamos juntos do colégio e eu te acompanhava até tua casa e conversávamos muita coisa divertida. Era alegria demais estar ao teu lado. Teus tristonhos olhos azuis se iluminavam, tua risada desbragada invadia a rua e a simplicidade do teu jeito de ser, espontânea, amiga, fazia acontecer um mundo nem pensado. Sinto falta disso. Colorias a vida que andava ao nosso lado pelos caminhos que percorríamos sem qualquer noção do tempo.
         Dia desses irei te visitar, para recuperar essa nossa amizade interrompida pela minha súbita e indesejada partida.
         Beijos do teu amigo.
         Porto Alegre, 14 de agosto de 1.974. 
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                  Querida Cecília.
         Fiquei chocado com a morte de tua mãe. O gesto dela deve ser compreendido, pelo que sabemos do sofrimento ao qual ficou submetida, desde a separação de teu pai.
         Achei legal tua decisão de ir morar com tua tia Alice. Ela, como tua madrinha, te conhece e sei que te quer muito bem.
         A Faculdade de Medicina tem me exigido muito. Tenho aulas de manhã e de tarde. Infelizmente, não pude ir ao enterro de tua mãe. Nas próximas férias irei te visitar. Estás no meu coração, ainda que não possa estar fisicamente contigo.
         Beijo deste amigo que muito te quer.
         Porto Alegre, 16 de junho de 1.982.
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                  Querida Cecília
         No mês que vem começo a residência na Santa Casa. Turno integral, além dos plantões num Pronto Socorro particular, para faturar algum dinheirinho extra.
         Fiquei preocupado com o que escreveste sobre tua tristeza e a falta de motivação para continuar vivendo. Eu te gosto e continuo teu fã. Recordo-me de ti desde o primeiro ano da escola e te guardo num lugar especial do coração. Fica aqui comigo. Logo iremos nos encontrar e colocar esta amizade em dia, olho no olho, mão na mão, lado a lado.
         Beijos do teu amigo de coração.
         Porto Alegre, 12 de março de 1.983.
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                  Querida Cecília
           Para lugar nenhum mandarei esta carta, pois sei que tumbas não possuem endereços, dispensam CEP e repelem manifestações sentimentais.
         Entretanto, necessário escrever esta última e dolorida carta.
         Querida Cecília, direi mais uma vez.
           E, querida, te peço perdão por não ter sido bom o suficiente para evitar teu derradeiro gesto.
          Porto Alegre, 19 de setembro de 1.984.
Nelson Eduardo Klafke
Enviado por Nelson Eduardo Klafke em 15/12/2013
Reeditado em 14/03/2017
Código do texto: T4612941
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