VINGANÇA... ELE SÓ PENSAVA NELA! *

Ela pode me ver aqui? Parece tão desorientada! Coitada! Enlouqueceu... Nossa, pois a mão no vidro, como eu... Ela pode me ver, não pode? É de estremecer... Olha como os olhos parecem saltar das orbitas...
Semanas atrás, já era noite, veio tresloucada, gritando comigo a plenos pulmões... Ela me odeia, vocês sabem disso, não sabem?
E eu nada fiz para merecer tal ódio... Tanto rancor para nada... Como num só coração pode caber tanta mágoa?
Olha, ela está andando pela sala... Desorientada... Será que está se sentindo como eu... Acuada... Esta sala é igual à dela, não é?
Credo! Que loucura! Ela vai para onde daqui, talvez para um manicômio, não vai?
Três noites sem dormir, eu fiquei três noites sem dormir... Ouvindo os gritos dela comigo, diante da mesa posta para o jantar... O vinho quase me engasga...
- Eu te odeio, eu te odeio... Gritava ela, tremendo da cabeça aos pés!
E eu não fiz nada, disse-lhe entre dentes, trêmula! Tentei ser firme.
Saiu às pressas e bateu a porta na minha cara! Vocês sabem, o jantar foi pro lixo... O vinho perdeu o sabor, e eu que queria estar depois nos braços do pai dela, só pude sentir a vontade de me entupir de aspirinas... Tomei duas, ou foram três? - Mal dei atenção ao Roger Slim, rejeitei seus afagos, e mal dormi... Como disse, foram três noites insones...
E agora isso... Uma sala de delegacia de policia! Pela terceira vez... Uma sala contigua a outra, com uma janela de vidro falso... Eu a vejo, mas ela não vê a mim... Não é mesmo?
Parece tão frágil, e tão débil... Como ela poderia ter matado o próprio pai?
Foi um tiro a queima roupa, cara a cara!? Como pôde? – Mas eu já lhes disse isso! Sei que sim...
Vocês sabem, que eu estava viajando, estava no Rio, naquele congresso de dermatologia! E vim para cá direto do aeroporto... Minhas malas estão lá fora... Não estão?
Viajei na quarta á noite, se soubesse não teria viajado... Na segunda ela gritou comigo de novo, será que não dei atenção como devia... Ela entre gritos deixou a entender que me repudiava e que não aceitava o meu romance com o pai dela... Romance? Que romance? Estamos morando juntos há anos...
Tudo parecia ir tão bem...
Quantas vezes não saímos juntos?
Quantos passeios?
É verdade que de vez em quando eu notava uns olhares estranhos da parte dela... E vez e outra o tom em sua voz não mostrava alegria, se bem que também não demonstrava rancor... Achei que era coisa de minha cabeça... Sabe como é, Roger enviuvara de Ester, eu o conheci meses depois... Mas foi tudo muito rápido... Nós nos envolvemos, e nos apaixonamos... Mas que mal há nisso?
Olha, ela está encostando-se à janela... Ela pode ouvir o que falamos? Tão desorientada!
Nossa! Como este vidro parece grosso, e como é frio...
Na quarta-feira ao almoço, chamei para fazer-me companhia á mesa, veio lenta, passo a passo, como se arrastasse sobre os ombros o peso do mundo... Sentou a minha frente, quando de costume se sentasse ao meu lado... Estávamos sós, eu e ela... Roger não viria para o almoço, coisas da firma... Enquanto cortava o file, equilibrando a faca com sua mão esquerda, fez um barulho estridente, - Metal riscando cerâmica... Levantei o senho, olhei de relance, e pude vê-la com olhos estatelados fitando-me fria... – Eu vou ter a minha vingança! – Gritou-me entre dentes...
Antes que eu pudesse dar alguma resposta, levantou-se, derrubou a cadeira em que estava sentada, quebrou as taças de água e de vinho, correu para a porta, ganhando a rua...
Liguei para Roger, contei-lhe tudo!
Ele pediu-me que fosse viajar... Não tinha cabimento faltar ao meu congresso! Viria para casa o mais rápido que pudesse... Falaria com a filha... Ela teria que entender a situação... Entenderia com certeza!
Pobre Roger! Sempre tão calmo, e sempre tão otimista!
Tanto esforço... Tanta luta! E para que? Uma cova rasa no Araçá?
Meu Deus, olha, será que ela chora? Será que pode sentir o que aqui estou a lhes contar,pela terceira vez?
-Deve se sentir sozinha, ela deve estar assustada, num canto daquela sala tão fria... Não vai aparecer ninguém lá para lhe falar?
Olha, está parada na minha frente... Ela pode me ver, não pode? Ela pode me ouvir! Ela pode me ouvir, eu sei que sim...
Meu Deus! Eu preciso de água! Tem água aqui, por favor? Pelo amor de Deus!
É verdade o que me foi dito: Roger chegou em casa... Abriu a porta, deu dois passos, entrou, colocou a maleta numa mesinha e virou-se para fechar a porta, virou-se de novo para adentrar na casa, e foi quando viu a filha a sua frente, de olhos arregalados, mãos trêmulas, que seguravam o revolver com o qual disparou dois tiros à queima roupa no corpo do próprio pai, gritando, gritando, gritando vingança! Estava escuro, e nenhuma luz foi acessa...
Meu Deus, agora eu percebo, ela não sabia que eu falara com o pai... Ela sabia que eu ia viajar, mas não me lembro de ter-lhe falado a que horas... Meu Deus ela pensou que era eu quem adentrava em casa!
Vingança!
Meu Deus!
Pelo que?
Olha, ela está colocando as mãos no rosto, e chora! Agora... Como se fosse acompanhar-me as lágrimas que me escorrem face abaixo...
Olha, ela desgrenha os próprios cabelos...
Olha...
Olha, uma porta parece que se abre na outra sala, pessoas parece que adentram lá...
Mas, é aqui que me acorrem senhores, feições frias, olhos arregalados...
- Senhora, na quarta-feira ás vinte e trinta horas, Roger Slim foi encontrado morto na porta da sala... Somente havia a senhora no local do crime... Empunhava o revolver com a mão esquerda, quando foi abordada pelos policiais que atenderam ao chamado dos vizinhos...
Algemas!
Para que estas algemas?
Espera... Esperem...
Para! Para!
Foi ela! Não fui eu... Foi ela! Aquela que está na outra sala...
- Senhora aqui é uma sala de interrogatório... Estamos sós... Não existem mais suspeitos para identificação... E sobre o seu pai, não consta que vivesse com mais ninguém além da senhora!
Não fui eu... Foi ela... Foi Ester... Ele só pensava nela!

Edvaldo Rosa
www.sacpaixao.net
23/03/2013

* Conto publicado no Livro
Vingança 2 
1° Edição
Rio de Janeiro
Literarte
2013
Organizado por Izabelle Valladares e
Dyandréia Valverde Portugal