Farsantes
— É preciso cuidado.
— Cuidado com o quê?
— Estes caras estão vigiando tudo.
— Qual! Não tem gente para isso.
Esta conversa, entre tipos bastante incomuns, estava sendo travada num conhecido e bem frequentado bar da região, onde o chope era conhecido como ponto alto.
Clima ameno, temperatura agradável, não sendo necessário o uso de agasalhos. O homem moreno de sol, cabelos brancos e camisa cinza, não parava de olhar os seus sapatos. Havia comprado no dia anterior. Bem feito, couro marrom claro, sola macia.
— Parece tudo tranquilo e calmo.
— Mas cuidado não é demais. São uns bisbilhoteiros de marca maior.
— Mas é impossível escutar o que estamos conversando — arrematou o único que havia preferido uísque sem gelo ao chope que seus dois acompanhantes bebiam com cara de indisfarçável prazer. O sol já havia desaparecido quase completamente, e as primeiras luzes dos postes, fotossensíveis, acendiam alternadamente.
— Este preço pode chegar a quanto?
— Talvez ao triplo combinado. Muita chuva, a última causou estragos, o concreto ainda não havia curado totalmente. Deu trabalho demais!
— E eles aceitam o aumento?
— Sempre aceitaram, porque seria a primeira recusa?
O que bebia uísque pediu mais castanhas de caju. Olhou para o alto, viu as luzes da favela, que teimam agora de chamar comunidade, serem acesas. Numa mesa do bar modesto, onde o barulho do ventilador estava incomodando, uns tipos faziam o mesmo. Estavam sentados, conversando sobre a distribuição do tóxico, enquanto acabavam com o estoque de cerveja.
Não havia quase diferença entre eles. Empreiteiros mancomunados em faturar bem mais nas obras contratadas, mediante o pagamento de gorda comissão, e homens de bermudas sentados em local mais alto e de construção ainda mais feia dos que estavam comemorando o final da sexta-feira, com a diferença de que lá encima não tinha nenhum homem admirando seu sapato novo, caro, confortável e muito bem feito...