Um Fim de Semana a Bordo.
Fazia uma bela manhã de sol, como é natural no mês de julho em Fortaleza. Eram aproximadamente dez e meia. Fora dos muros da Escola de Aprendizes- Marinheiros do Ceará, podia-se ver pelo portão da avenida Leste-Oeste os vaivens dos carros e motos por esta. Para os lados do Stand de Tiros, o mar arrebentava contra o espigão e trazia consigo conchas que depositava na branca areia da praia. Havia pouca gente se dedicando ao banho naquela sexta-feira. Somente alguns ambulantes insistiam em vender comida em “quentinhas” ou óculos escuros e bronzeadores caseiros para os poucos banhistas.
Do lado de dentro, os coqueiros que acompanhavam o muro balançavam e agitavam suas folhas com a vento, que trazia maresia da manhã. O brejo, apelidado pelas praças, de Vietnã, estava com o mato pisoteado, sinal de que havia turma novata na escola, pois fora submetida ao teste de maneabilidade, marco final do período de adaptação, no décimo quinto dia de internamento. Quando os aprendizes são submetidos a uma sessão de exercícios físicos mais intensos, feitos com o fito de fazê-los desistir do curso e pedirem a baixa.
A rotina da escola determinava, naquele momento, sala de aula para os aprendizes e os grumetes, alunos com metade do curso já transcorrido e prestes a sentar praça no fim daquele ano, e, para os agregados, serviço nos diversos setores daquela instituição.Os “ gregos” como eram conhecidos na EAM-CE, aqueles que, candidatos, residiam na escola. Eram geralmente de origem humilde, muito pobres e oriundos do interior, que por módica gratificação, aguardavam trabalhando o concurso e a chance de fazer carreira na Marinha do Brasil.
A turma recém-ingressada iniciava o aprendizado da propedêutica, das tradições navais e do regulamento a que estariam submetidos quando sentassem praça,; já os grumetes, iniciavam-se nas matérias relativas ao Quadro Suplementar,escolhido no tempo que eram aprendizes, no qual optariam por alguma profissão e, depois seriam promovidos a cabo. No 2º pelotão, a 1º tenente Maria Augusta, oficial encarregada do SOE, explicava aos aprendizes a sua função e a atuação administrativa do setor, o Serviço de Orientação Escolar, na rotina da Escola de Aprendizes-Marinheiros. A instrução era acompanhada atentamente pelos alunos, embora muitos estivessem com o pensamento ligado na licença do fim de semana, ou até mesmo na beleza da tenente, única oficial do Corpo Auxiliar Feminino, o CAF, a bordo.
A tenente, uma mulher bonita, escondia sua formosura por trás do uniforme de oficial, nem sempre com sucesso. Nela se destacavam os cabelos longos e negros, presos por um coque na altura da nuca, a cor acobreada de praia, numa pele muito limpa e sem manchas. O busto e os quadris também chamavam atenção, quando ela usava a calça comprida ou a saia da farda.
Naquela época, meados dos anos 80, era uma posição difícil para a tenente Maria Augusta. Fazia poucos anos que o CAF fora criado e a Marinha se humanizava pouco a pouco. Tudo devido a atuação do Almirante Maximiliano da Fonseca, ministro da Marinha no fim do governo do General João Baptista Figueiredo, último presidente do governo dos militares.As mulheres não embarcavam, serviam em terra nas funções de apoio como Saúde e Administração. A tenente, formada na primeira turma em 1981, já trabalhara na Escola Naval por três anos. Naquela comissão, estava subordinada a um capitão-de-corveta e mantinha contato bem aproximado como aspirantes, futuros oficiais como ela. A EAM-CE era sua segunda comissão e lá, por sua condição de mulher, vivia um pouco afastada das praças, mas como era mais antiga do SOE, o contato com os alunos era inevitável, por isso, foi necessário que ela se impusesse mais a fim de fazer com que os alunos não confundissem as coisas: que ali era um órgão de formação, que não havia espaço para maiores intimidades. Ela era a tenente e todos os alunos tinham o dever de respeitá-la como tal, e ela o de se impor como mais antiga.
O mais antigo dos aprendizes do pelotão pediu para ir até o Rancho, a fim de pegar a merenda dos alunos. Ao chegar ele trazia consigo cinqüenta sacos de biscoito TBA, a conta certa para todos. Enquanto o boy distribuía o lanche, a tenente Maria Augusta, com seu chiado peculiar de carioca da Tijuca, continuava sua explanação sobre o setor que comandava. Estava à frente do SOE havia apenas um ano, mas demonstrava muita segurança em suas palavras e nos seus procedimentos.
Pouco depois de a merenda ser distribuída no 2º pelotão, ouviu-se um ruído pela sala. Os boys na Marinha são conhecidíssimos como “imagens do cão”, principalmente quando alunos. De repente todos os aprendizes começaram a imitar o engraçadinho e tornou-se impossível de a tenente dar aula. A oficial, visivelmente sem graça e sem saber direito o que fazer, pôs as mãos no birô e levantou-se, apoiando os braços estendidos, com o rosto vermelho de raiva, ordenou:
- Suspendam a merenda! Agora!- estava procurando manterá calma e não se envolver na guerra de nervos dos boys, que em seguida e à uma ,com o braço direito, ergueram cada um seu saco de biscoito. Resultado: dois dias de impedimento, por mais que o mais antigo tentasse ponderar.