Um Natal de um tempo ido

Um Natal de um tempo ido

A proximidade do Natal deixava a gurizada eufórica. Sabia que se festejava o nascimento do menino Jesus, que seria o Filho de Deus e o Salvador do mundo. Isso havia sido ensinado àquelas crianças. Mas a expectativa era também pela festa do comércio. O parque de diversões, as barracas de prendas, de comidas, de jogos, os shows com artistas da capital e muita gente de outras localidades. O lugar todo enfeitado. As casas com seus ornamentos natalinos. O presépio montado pela prefeitura. A cidade toda iluminada. A distribuição de presentes. A alegria revelada nas faces dos habitantes daquela pequena cidade. Tudo era um enlevo! Existia um clima de paz e harmonia entre os homens. A Missa do Galo e os cultos dos evangélicos eram tradicionais. Grande era a movimentação. O sistema de som da festa e suas mensagens musicais constituíam uma atração à parte.

Antonio decidiu que daquele Natal não passaria. Iria mandar uma mensagem musical para a sua paixão de adolescente, mesmo que não se identificasse. Seria uma música romântica. A sua preferida era “quero beijar-te as mãos, minha querida”, cantada por Anísio Silva. Quem sabe tivesse coragem de declarar o seu amor a ela naquela ocasião?

E lá estava o sistema de som a anunciar com a entonação peculiar do seu locutor: “essa mensagem musical vai para uma linda jovem que está de vestido rosa, de alguém que muito lhe ama”. Enquanto a música era cantada ficou de longe a observar a reação de Rosinha. As amigas lhe diziam que não era para ela, porque havia muitas outras moças de vestidos rosa. Rosinha insistia que era para ela, sim, e que suas amigas estavam com inveja.

Nunca antes Anísio Silva tinha cantado com tamanha emoção aquela música, cujo disco de vinil já devia está bastante gasto pelo número de vezes que tinha sido tocado. Era assim que o som, mesmo não sendo de boa qualidade, chegava aos ouvidos de Antonio. Para ele, aquela tinha sido a melhor interpretação daquele cantor popular.

Passou pelas suas lembranças as vezes em que ficara a observar Rosinha a caminho do colégio de freiras, onde só estudavam moças, trajando suas fardas de normalistas. Chamava-lhe a atenção a face de Rosinha ruborizada pelo sol e o seu sorriso espontâneo que fazia as flores se abrirem em sua reverência, enquanto ela passava. Costumava vê-la também a passear pela praça, na companhia de amigas, com suas vestes de jardineira.

Tímido como era, nunca ousou se aproximar. Rosinha o conhecia. Sempre lhe acenava quando o via, revelando toda a sua graça. Ela era o seu primeiro amor e desejava que fosse a sua primeira namorada. A mensagem musical que lhe enviara haveria de ajuda-lo.

Terminada a música, criou coragem e dirigiu-se até onde Rosinha estava.

- Olá, Rosinha! Tudo bem? – Indagou com a voz hesitante e as mãos e pés trêmulos.

- Oi, Antonio! Está tudo bem – respondeu firmemente.

- Você está linda nesse vestido Rosa – disse isso com desejo de sair correndo do lugar, temendo ser tido como enxerido e estragar de vez os seus planos.

- Você também está muito elegante.

- Essa última mensagem musical fui eu quem mandou para você. Espero que não se incomode.

- Eu já imaginava. Não se preocupe. Eu gostei muito.

Antonio não acreditava que estavam conversando. Quantas coisas descobriram que tinham em comum. Esqueceram o tempo, as horas e as amigas. Parecia não haver mais ninguém no mundo além deles dois. Inocências a desfilarem. A certa altura ele não se conteve e perguntou:

- Rosinha, você quer namorar comigo?

Entreolharam-se, sem saber qual dos dois estava mais ruborizado.

- Não sei, Antonio! Nunca namorei nenhum rapaz. Mas simpatizo com você há algum tempo. Até pensei porque você não tinha me proposto namoro antes. Eu quero sim, mas você vai ter que falar com os meus pais.

Por essa ele não esperava. Mas não iria abrir mão do seu amor por Rosinha. Afinal, já tinham quinze anos e podiam namorar. Pelo menos assim pensava. Foram, então, até a casa dos pais de Rosinha, que não colocaram nenhum obstáculo ao namoro, desde que ficassem sob a vista deles e não se encontrassem às escondidas.

Jamais aquele Natal seria esquecido por Antonio. Não havia como esconder tamanha felicidade, visível a todos. Formavam um belo par. A alegria, no entanto, durou pouco tempo. Alguns meses depois a família de Rosinha mudou-se para a capital. Seu pai fora transferido pela empresa onde trabalhava. A despedida foi um momento difícil. Como dois adolescentes apaixonados prometeram um ao outro que não se casariam com ninguém e aguardariam o reencontro, não tendo a menor noção do que estavam prometendo.

Os anos se passaram e Antonio não compreendia porque Rosinha não mais respondia às suas cartas, até que decidiu não mais escrever. Talvez tivesse mudado de endereço ou o tivesse esquecido.

Soube, tempos depois, que ela havia se casado com um filho de um médico da mesma cidade onde moraram e se apaixonaram numa noite de Natal. Na época, um almofadinha metido a besta, que não se comunicava com ninguém e que agora também era médico.

Anos depois, Antonio também se casou e já estava à espera dos netos. Não conseguia explicar as razões que lhe trouxeram à lembrança daquele Natal de sua adolescência. No fundo, talvez soubesse. Poderia ser a aproximação de mais um Natal, muito diferente daquele. Não mais havia a música de Anísio Silva, embora algumas músicas natalinas lhe trouxessem alguma alegria. Desejou não ter crescido e ter visto o tempo passar.