Lágrimas
O garoto, de aparência um tanto comum, caminhava despreocupado pela estrada. Trajava uma calça jeans de número grande, devido ao seu porte físico, uma camiseta preta e um tênis branco. Em seu olhar via-se cansaço. Típico daqueles que a maioria das pessoas possui ao voltar para casa dentro de um ônibus ou metrô cheio em uma sufocante cidade grande. Ou aquele cansaço que os jovens transmitem no olhar assim que acordam ou chegam ao mundo. O fato é que ele realmente estava cansado. O sol, de tão quente, fazia os lagos soltarem fumaças. De seu rosto pingava água. Uma água tão salgada quanto suas lágrimas na noite passada. Mas agora tudo estava bem.
De punhos cerrados estava bravo, não era o que ele esperava. Achava que seria melhor. Menos quente talvez. A sua frente via-se algo surgir no horizonte. Não sabia se era real ou apenas uma miragem. Como aquelas que assistia no desenho do pica-pau. Lembrou-se de sua infância e todas as tardes passadas assistindo desenhos e séries. Principalmente em dias de frios de chuva, onde sua mãe fazia pipoca com chocolate quente e ele deliciava-se com os filmes da sessão da tarde. Sentiu saudades. Um fio de água correu de seu rosto e este não foi gerado pelo calor. Soluçava. Com as mãos cobrindo o rosto gritou. Gritou tão alto como nunca pode gritar na vida. E começou a correr.
À medida que corria via o objeto no horizonte se aproximar. Como em um ataque de bipolaridade começou a rir freneticamente. A paisagem ligeiramente mudou de um deserto árido para um belo e interminável gramado verde. O clima tornou-se agradável e o sol menos ameaçador. Agora apenas brilhava no alto com algumas nuvens que, de vez em quando, o impediam de iluminar o ambiente.
Após alguns minutos de sua corrida, viu que não estava só. Milhares de jovens, adultos e idosos caminhavam perto de si. Todos com um semblante triste, sem dar atenção para o que ocorria a sua volta. Ele ficou sem entender por um tempo. Até que então viu que o objeto no horizonte agora estava muito perto. Era um enorme pavilhão branco que se estendia por muitos quilômetros. Na entrada principal encontravam-se diversos guardas. Havia uma fila para entrar. Entrou na fila e esperou sua vez. O nervosismo o consumia.
Chegada a sua vez. O guarda, um homem grande, com uma farda cinza e preta o encarou. Solicitou seu nome e idade. Pegou uma lista enorme e ficou alguns segundos folheando-a. Voltou a olhar para o jovem e disse que infelizmente ele não estava autorizado a entrar. Assustado e nervoso ele disse para procurar novamente, tinha de estar lá. O guarda foi grosso e gritou, ele retrucou e gritou mais alto e assim seguiu uma discussão que durou pouco mais de um minuto. A multidão inteira parou para olhar. O guarda, irritado, pôs as mãos em seu pescoço e mandou que voltasse. Ele obedeceu e saiu da fila. Deu a volta no prédio, mas sabia que nunca conseguiria entrar. Resolveu voltar de onde veio, mesmo que não soubesse como chegou ali.
Caminhou tanto que nem sentia mais suas pernas. O clima havia mudado novamente e desta vez o calor estava muito mais forte. Sentia-se um pouco mais real, mais vívido. Ao olhar para trás e ver que o pavilhão deixara de existir no horizonte, debulhou-se em lágrimas. Sua visão ficou escura e então acordou. Abriu os olhos e viu ao seu lado uma garrafa de álcool e inúmeras caixas de remédios. Algo molhado e nojento estava por toda parte. Saindo de sua boca e escorrendo por sua roupa, cama e chão. Gritou, mas não saiu voz. Apenas água salgada de seus olhos. Que ele então chamou de lágrimas.