Querido Irmão
Chovia forte. Mas os dois oponentes que se enfrentavam naquela clareira pareciam alheios a isso. Estavam muito mais concentrados na música ritmada que faziam suas espadas ao se chocarem, muito mais preocupados com os movimentos que seus pés faziam ao chacoalharem as folhas alaranjadas que cobriam o chão. Encaravam-se mutuamente, de um jeito tenebroso. Eram fortes tanto na luta quanto em seus olhares de ameaça. Mas um deles tinha que superar o outro; e um deles estava fadado a morrer.
Não muito longe dali estava o prêmio do vencedor, aguardando obedientemente embaixo de uma grande árvore. Aquela era uma luta simples e sem muitos critérios: o que conseguisse matar o outro levaria o prêmio para casa, junto com todos os seus segredos. No entanto, não era permitida uma pausa sequer, de modo que os dois lutavam incansavelmente há 3 longas horas. Nenhum deles estava disposto a ser derrotado.
- Ainda não se cansou, Midori? – disse o mais alto, tentando um soco no abdômen do oponente enquanto o bloqueava com a espada por cima.
- Claro que não! Por quê? Você por acaso quer desistir, Aoi? – soou a voz feminina de Midori, ligeiramente sarcástica, ligeiramente ofegante, enquanto esta desviava graciosamente do golpe e investia em uma cortada pela direita (que Aoi ministrou com destreza).
- Eu não. Mas talvez você devesse fazê-lo. Sabe que eu sou mais forte que você, não sabe?
A mulher sorriu, dando um passo para trás e olhando-o debochadamente.
- Se é tão forte assim, por que ainda não acabou comigo?
- Eu estou com pena. – devolveu Aoi, com o mesmo tom irônico. – Afinal, você se tornou uma mulher realmente atraente.
Midori enfureceu-se, não deixando de notar a malícia no olhar do outro, e avançou com a espada erguida acima de sua cabeça. Tentaria um golpe por cima, a pior escolha para alguém descontrolado.
- Pare de brincar!
Um lutador furioso acaba trazendo problemas a si mesmo, e Aoi – um homem não muito inteligente, mas um guerreiro exímio – soube bem aproveitar esse descuido. Ele bloqueou a espada de Midori parcialmente, apenas para enganá-la e desferir-lhe um chute entre as costelas, forte o bastante para derrubá-la ao chão.
Sem perder tempo, ele apontou sua própria espada para o pescoço dela. E encontrando ali uma garota totalmente indefesa, Aoi sorriu.
- Eu disse que era o mais forte. Desde o início você não era páreo para mim. – disse, com um brilho de arrogância no olhar. – Agora, seja uma boa garota e clame por misericórdia. Talvez, quem sabe, eu te deixe viver...?
Midori baixou a cabeça e Aoi sorriu ainda mais. Por um momento achou que ela tinha sussurrado alguma coisa, mas não deu importância. A vitória era dele, estava tudo acabado.
Mas então o corpo da garota começou a tremer e ela levantou a cabeça novamente. Estava rindo, ou melhor, gargalhando. Continuou assim por mais alguns segundos, enquanto o olhar confuso de Aoi a encarava tentando decidir se ela havia ficado completamente louca ou não.
Quando ela finalmente parou, ainda estava sorrindo com deboche:
- Ah, Aoi... Eu sabia que você não era dos mais espertos, mas isso já é demais!
O homem foi pego de surpresa. Como assim? Ela estava na ponta da sua espada e tinha coragem de falar isso?
- O que você quer dizer?!
Midori parou de sorrir e de repente ficou mais fria do que nunca:
- Você devia ter me matado logo.
- Já chega! – ele se preparou para enterrar a lâmina no coração de seu oponente, mas parou a meio caminho diante de algo inesperado.
Uma dor lancinante queimou seu interior em segundos, latejou até o fundo de seus ossos e ardeu por cada gota de sangue em seu corpo. Ele arranhou o próprio peito em busca de ar e a espada caiu no chão. O mesmo fez seu corpo logo após, convulsionando desesperadamente. Seus olhos paralisados ainda encaravam a mulher e um sorriso sádico que acabara de surgir no canto de seus lábios avermelhados.
- Magia negra... – ela disse finalmente – Um velho truque que aprendi em uma de minhas viagens...
- Tra... – Aoi lutou para encontrar sua voz em meio a dor – T-Trapaça...
- Trapaça? – Midori riu. – Olhe a sua volta, Aoi... Não é trapaça se não há testemunhas.
- Me salve... P-por favor...
- Cale a boca. Você está sendo ridículo.
Midori se levantou e ajeitou as madeixas longas de seus cabelos enquanto restituía a espada em suas mãos, ignorando completamente a agonia do outro.
- Não preciso de homens fracos como você. Isso já está ficando muito chato. – ela o olhou com desprezo e posicionou a ponta da espada em seu corpo, bem em cima do seu coração. Ele entrou em um pânico mudo.
- Eu sei o que está pensando, Aoi. “Você não teria coragem”. É o que você quer me dizer, não é? – ela sorriu daquele jeito sádico novamente. – Bem, eu tenho novidades para você.
A lâmina foi se enterrar profundamente no coração do guerreiro Aoi, e foi torcida 3 vezes para que atravessasse seu corpo. Aquela visão escarlate provocou puro prazer na mulher que um dia fora uma menina inocente, mas que agora se deliciava com a cena.
- Você não me conhece mais. Eu mudei.
Ela assistiu os últimos suspiros de vida de seu oponente com o mesmo sorriso sádico estampado no rosto. Assim que acabou, Midori debruçou-se sobre aquele belo rapaz pálido e sem vida e beijou seu rosto, com uma despedida calma e tranquila.
- Boa viagem para o inferno, irmãozinho querido. – e mais um sorriso escapou-lhe dos lábios.