Será que era um benfeitor mesmo?
REFLEXÕES SOBRE O DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA - 20 DE NOVEMBRO.
COMO É POSSIVEL HONRAR UM ASSASSINO?
Alberto R. Fioravanti.
Já havia escrito sobre o tema, mas escrevo de novo, sabendo que malhar em ferro frio não resolve e que infelizmente os meus irmãos negros brasileiros nunca protestaram pela escolha de ZUMBI como patrono.
No dia 20 de novembro, por força de Lei, o Brasil comemora o “Dia da Consciência Negra” e recorda a figura de Zumbi dos Palmares, como sendo um líder e defensor dos negros escravizados no Brasil. Infelizmente sabe-se muito pouco sobre a verdadeira história de Zumbi – cogita-se até que seu nome correto seja Zambi –, mas é certo que ele viveu no século XVII, em pleno período colonial. E a história diz que quem viveu próximo do poder no século XVII tinha escravos, e, sobretudo quem liderava algum povo de influência africana. Alguns autores e estudiosos levantam a possibilidade de que Zumbi não tenha sido o verdadeiro herói do Quilombo dos Palmares e sim seu tio, Ganga-Zumba: "Os escravos que se recusavam a fugir das fazendas e ir para os quilombos eram capturados e convertidos em cativos dos quilombos. A luta de Palmares não era contra a iniqüidade desumanizadora da escravidão. Era apenas recusa da escravidão própria, mas não da escravidão alheia”.
Segundo esses autores, Ganga Zumba teria sido assassinado por Zumbi, após o que os negros de Palmares o elevaram a categoria de chefe: "Depois de feitas as pazes em 1678, os negros mataram o rei Ganga-Zumba, envenenando-o, e Zumbi assumiu o governo e o comando-em-chefe do Quilombo”.. Seu governo também teria sido caracterizado pelo despotismo: "Se algum escravo fugia dos Palmares, eram enviados negros no seu encalço e, se capturado, era executado pela ‘severa justiça’ do quilombo". Hoje, Zumbi esta sendo considerado o maior herói negro da história do Brasil, o homem em cuja data de morte – 20 de novembro de 1695 - se comemora com várias solenidades em muitas cidades do país como o Dia da Consciência Negra. Entretanto, será que é heroísmo para os movimentos negros brasileiros, que uma pessoa como Zumbi, que mandava capturar escravos de fazendas vizinhas para que eles trabalhassem forçados, como escravos, no Quilombo dos Palmares?
Por outro lado, Zumbi também sequestrava a mulheres, o que era raro nas primeiras décadas do Brasil, e executava a todos aqueles que quisessem fugir do quilombo. E porque poderiam querer fugir, se ali tinham a “liberdade”? Essa informação talvez possa parecer ofensiva para algumas pessoas hoje em dia, a ponto de preferirem omiti-la ou de censurá-la em seus escritos ou discursos, mas na verdade trata-se de um dado óbvio, demonstrado que Zumbi tinha escravos negros.
A cada dia que passa, eu fico mais perplexo com o que vejo relacionado com intolerâncias de todos os tipos – sociais, politicas, religiosas, sexuais e até raciais. E quase que diariamente a mídia nos acena sobre essas intolerâncias, o que me faz lembrar as palavras de José Saramago ao receber o Premio Nobel de Literatura em 1998: "(Esta) é uma sociedade esquizofrénica que tem a capacidade de enviar instrumentos a outro planeta para estudar a composição de suas rochas, mas permanece indiferente ante a morte de milhões de personas. Ir a Marte parece mais fácil que ir até o próximo".
É triste, mas se realmente fossemos e nos comportássemos como seres humanos, todos os dias deveriam ser dedicados à consciência humana, e que todas as comemorações deveriam ter conotações de que a solução para todos os tipos de intolerância é uma verdadeira prioridade. Mas isso não acontece no Brasil, e no dia 20 de novembro, por falta de conhecimento e consciência, o governo estará celebrando o “Dia Nacional da Consciência Negra”, com comemorações em todo o país, já que por incompetência dos nossos governantes e políticos em geral, não existe uma consciência nacional. E para cumulo do absurdo, a figura central que impuseram para essa comemoração é o “mestre Zumbi dos Palmares”, que, nesse mesmo dia do ano de 1695, foi assassinado. Assim, por ignorância da história e de quem foi Zumbi, surgiu como um ícone da resistência do povo negro e da luta contra a escravidão, um negro escravagista e que matava negros sem piedade.
Celebrar a memória de Zumbi dos Palmares viria ser a resposta dada pelos organizadores, para lembrar que a abolição foi um processo inacabado e que só seria plenamente terminado pela pressão do movimento negro. O Dia da Consciência Negra viria a ser então o fruto do movimento negro brasileiro para questionar a vertente histórica que marca o fim a escravidão como sendo o dia 13 de maio, com a assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel, em 13 de maio de 1888. Sugere-se também que a Lei Áurea não trouxe uma verdadeira libertação, pois apesar da legalidade da alforria, indicam o surgimento de outras formas de opressão e de negação do direito à cidadania dos negros. Isso porque os mecanismos de exclusão assumiram facetas diferenciadas, como não darem o acesso dos negros à educação, ao emprego renumerado, à moradia digna e outras de beneficio à população em geral, que já existiam no século XIX.
Na realidade, em parte, isso é certo, mas são muito poucos os que têm a coragem de afirmar a verdadeira história e de que foi a República, proclamada sob a mira de fuzis e como uma revolução militar, a grande culpada pela exclusão dos negros. Foi a república que os rejeitou e que destruiu todos os programas de integração dos negros na sociedade e na economia, elaborados com a orientação da Princesa Isabel, e que deveriam ser realizados.
Devemos nos lembrar também que em 22 de novembro de 1910, em pleno regime republicano, um levante de marinheiros agitou o Rio de Janeiro, quando cerca de dois (2) mil negros, liderados por João Cândido Felisberto, tomaram dois navios de guerra, apontaram seus canhões para a sede do governo e exigiram o fim dos castigos corporais que eram aplicados. O protesto durou uma semana e surpreendeu a Marinha e a elite branca dominante, que foram obrigadas a ceder às exigências. João Cândido, nascido em 1880, era filho de ex-escravos e aos 14 anos entrou para a Marinha Brasileira, que na época era composta por 50% de negros, 30% de mulatos, 10% de caboclos e 10% de brancos. A maioria dos marinheiros era composta por homens pobres, filhos de escravos, que recebiam salários irrisórios e eram constantemente humilhados pela minoria branca. Somente aí que é que a chibata – símbolo da escravidão, abolida há 22 anos – mas ainda vigente na marinha republicana do Brasil, foi então proibida e os revoltosos anistiados.
Foi com gritos de “viva a liberdade” que os marinheiros negros comemoraram a vitória contra o racismo e a exploração. Entretanto, um mês depois, o então presidente da república, o Marechal Hermes da Fonseca, traiu os compromissos e partiu para a revanche, ordenando a prisão dos 18 negros líderes do movimento, entre eles João Cândido, o “Almirante Negro”, que foram detidos e torturados na Ilha das Cobras. Assim procedia a republica do Brasil que só beneficiou as elites e não o povo. Lembro que o horror das masmorras da marinha brasileira levou a João Cândido ser internado no Hospício Nacional de Alienados para exames de sanidade.
Depois de solto, João Cândido quem é um verdadeiro herói dos negros, passou a viver como vendedor de peixes no Rio de Janeiro, onde morreu em 1969, aos 89 anos, doente de câncer, sem sua patente militar e na miséria. Somente depois de morto é que seu nome foi inscrito no Livro dos Heróis da Pátria. Tudo isso aconteceu na república, pois as elites não perdoaram a monarquia por ter abolido a escravidão, e foi a República que nada fez pelos escravos libertos pela Princesa Isabel, e os manteve vivendo num submundo e explorados.