DEZENOVE

DEZENOVE (19- XIX)

Fábio Souza das Neves

O século XIX tinha um sabor de boêmia, tragédia e heroísmo.

Aos 19 anos, a minha mente se inflamava imaginando noites boêmias e mulheres apaixonadas pela verve do poeta. E o trágico? Sim ele existia, mas era apenas um detalhe.

Um dia se eu fizer um mestrado em Literatura já tenho um problema para investigar na minha tese: os ultra-românticos, apesar da aura sombria, das farras extravagantes. Acredito que eles eram “bons demais” para o mundo que tinham, eram apenas jovens que não tiveram força para suportar o descompasso entre seus sonhos e a realidade. Então optaram pela fuga nos vícios ou nas atitudes depressivas. O problema deles eram ideias obcessivas e não um mau caráter.

Aos meus dezenove anos estava passeando por Satolep e de repente me deparei com uma rua estreita. Era uma rua anacrônica: nela não caberia um ônibus, tampouco um caminhão. Devia ser herança do tempo do Império em que se atravessava a cidade montado em um garboso corcel (ou em um pangaré) ou confortavelmente acomodado em uma carruagem.

O céu estava escuro, anoitecia ou a minha tela mental se desligava. Seria a rua um portal como nos filmes do Indiana Jones? ( estou pensando nisso agora!).

De maneira inesperada me vi perto de um bar, onde havia confusas vozes. Uma com ar sarcástico, galhofeira, um violão gemia de vez em quando, uma voz feminina um tanto rouca.

Agora me lembro de uma música do RPM que fala de um olhar de mulher que para um garoto introvertido como eu é pura perdição, o nome da música é “Olhar 43”.

O meu destino se cumprira, eu me apaixonara. Não era um amor totalmente adulto, era um misto de tesão com idealização adolescente.

Conversamos, bebemos vinho, descobri que ela era comprometida ou mais ou menos isso. Eu a desejei, desejei. Até preparei minha defesa quando tivesse que prestar contas depois da minha morte:

“ eu não havia cometido uma traição vulgar. Admito que desejei a mulher do próximo, mas o próximo não a merecia, eu a amava mais do que ele.”

***

Hoje anos depois, tive a visão da finitude. Estava olhando um jogo de futebol “ requentado”, Santos versus Botafogo, final do Campeonato Brasileiro de 1995. Acho que todos aqueles jogadores já estão aposentados, com exceção do Túlio Maravilha, tive a epifania que a vida é breve e os momentos de glória são efêmeros.

Descobri que não tenho mais dezenove anos, convivemos tanto tempo com nós mesmos que não percebemos em suas minúcias o quanto mudamos .Precisamos observar os outros e aí parece que vemos em um espelho, um sábio amigo me disse que um dia a gente descobre que não é mais adolescente.

Lembrei dos ultra-românticos e verifiquei que cometi um erro grosseiro em minha avaliação. Eles não morreram antes dos seus sonhos, em verdade foi a morte das esperanças que apressou o fim de muitos. Mas portanto, antes da minha tese não posso afirmar com certeza.

Quanto a mim tive a sorte de nascer aproximadamente um século e meio depois, tenho que confessar que as minhas fraquezas superam as minhas fagulhas de heroísmo, graças a Deus fui poupado da tragédia e a boêmia não é para mim.

Falo sempre para os meus amigos:

- Estamos vivos, isso é bom!

Certa feita, um desses calou-se em um ato de oratória, um silêncio que dizia:

- Cara, tô vivo mas desorientado!

Mentalmente me solidarizei com ele:

- Acho que estamos todos assim.

Já não me importa não ter mais dezenove anos, mas de alguma maneira ainda sou romântico.

PELOTAS, 19-O2-2013

PINHEIRO MACHADO, 07-11-2013

Fábio Souza das Neves
Enviado por Fábio Souza das Neves em 19/11/2013
Código do texto: T4578080
Classificação de conteúdo: seguro