A GRANDE CHANCE
Aos gritos, o negro Santos chegou em casa, vinha com uma das mãos levantada. Carregava algo como se estivesse ali a conquista de sua vida, a sua sorte grande. Marieta, ao vê-lo correndo, se assustou. Logo que ele se aproximou, ela percebeu que ele tinha um sorriso nos lábios e se acalmou. Antes que atravessasse o portão, ela perguntou:
— O que foi, homem, diga logo, o que aconteceu?
— Você não pode nem imaginar.
— É coisa boa?
— Se não fosse, eu não estaria sorrindo, minha preta.
— Ganhou no bicho!
— Melhor que isso, melhor...
— Então não enrole, diga logo, nego, o que aconteceu?
— Arrumei trabalho de carteira assinada!
— Graças a Deus! Você merece, meu nego!
— Nós merecemos, minha preta, nós merecemos!
— Mas você não falou nada que estava vendo emprego.
— Eu não falei nada pra não criar falsas esperanças em você. Cadê nossa menina? Quero contar a novidade pra ela.
— Ela está na escola ainda. Mas conte, Santos, como e onde vai trabalhar.
— Imagine que eu estava indo pro meu ponto, eu lembrei que precisava comprar mais graxa marrom. Fui até o mercadinho do Chicão, tinha de comprar a graxa no caderno, estava sem dinheiro. No caminho tem uma firma antiga com portão grande, eu sempre passava por ela, mas nunca soube com o que eles trabalhavam, ouvia um barulho de serra, que palpitava algo no meu coração. Na frente da firma, em cima do muro, tinha um homem colocando uma placa pedindo meio-oficial de serralheiro.
— E daí?
— Ele me viu olhando o anúncio e ouviu eu dizer ao vento: “Que pena que eu não tenho experiência nesse ramo”. Ele me olhou dos pés à cabeça e perguntou no que eu tinha experiência. Daí eu falei de toda minha experiência profissional. Falei que já havia cuidado de carro, e que estava ultimamente trabalhando com engraxate num ponto que havia conseguido de um velho amigo do meu pai, que se aposentou. Ele me olhou, parecia desconfiado, senti vontade de falar da minha história, ele me ouviu atentamente. Ele era o dono da firma, amor.
— Ele mesmo assim te arrumou o emprego!
— Disse pra eu esperar dois dias que me daria a resposta, mas já me pediu a carteira de trabalho. Por isso que eu não te falei nada.
— Eu bem que notei que você estava meio diferente. Que bênção de Deus.
— Bênção mesmo. Agora nós vamos melhorar de vida, você vai ver.
— Mas afinal o que vai fazer?
— Eu não sei, mas pelo nome meio-oficial não deve ser pouca coisa não. E depois quero ser oficial inteiro. Imagina seu marido, oficial de uma serralheria! Você nunca mais vai sentir vergonha de mim.
— Apesar de tudo, eu nunca senti vergonha de você, sempre conheci seu coração.
— Nós logo vamos sair do aluguel. Eu quero mudar de bairro, quero uma casa com um quarto só pra nossa filha. Vamos sair do buraco fundo e vamos morar no buraco raso, lá é bem melhor. Lá não tem perigo de enchente.
— Mas… e os amigos?
— Os amigos de verdade do bairro vão ficar felizes com a nossa melhora A gente pode vir sempre no bairro e até receber eles em nossa nova casa.
— Mas não vamos sonhar muito, você nem começou a trabalhar ainda. E depois você vai ter que aprender... O que mesmo você vai fazer?
— Eu acho que box, janela, essas coisas feitas de alumínio. Mas não se preocupe, tenho certeza que vai dar certo, vou aprender logo essa profissão. Quero que você pare de lavar roupa pra fora logo, logo.
— Não se preocupe com isso, vou ajudar pra juntar dinheiro e comprar nossa casa. E o ponto de engraxate, vai vender?
— Claro que não, não posso vender aquilo que me foi dado, já falei com o Juquinha, aquele menino que cuida de carro, e vou lhe dar a chance que eu tive. Esses dias peguei ele puxando cola, conversei um pouco com ele. Ele me respeita. Quem sabe se ele tiver sorte, e também juízo, terá futuramente um emprego igual ao meu. Assim que eu passar da experiência, quero comprar uma máquina de lavar a prestação pra você, minha nega.
O negro Santos não só passou da experiência, como também, em menos de seis meses, já era um profissional da serralheria. Exercia seu oficio prazerosamente, seu trabalho se destacava entre os demais funcionários, inclusive entre os mais antigos. A sua dedicação, sua entrega incondicional é que era o diferencial, não carregava o fardo pesado do trabalho, que a ele parecia leve, porque tinha fresco em sua mente as dificuldades que passara na vida. Passou a ser o homem de confiança do patrão. Em poucos anos comprou sua casinha no buraco raso.Indicou o nome de Zequinha para seu lugar de meio-oficial. Quando completou seis anos de empresa, veio do trabalho com sua carteira na mão, gritando com o mesmo entusiasmo de quando arrumara o emprego.
A esposa foi recebê-lo portão. Diante da alegria dele, não teve tempo de se preocupar.
— Mulher, mulher! Fui promovido, agora sou chefe de seção.
— Graças a Deus, e à sua dedicação, meu nego.
— E também ao seu carinho.
Santos chorava. A esposa o abraçou e ele terminou a fala:
Quando estava trancado eu pensei que tudo estava perdido, que minha vida não tinha mais jeito. Nos dias de visitas em que você era humilhada na vistoria, eu pedia em minhas orações uma grande chance, e Deus me ouviu minha preta.