ANTESALA

Dona Zefa tem décadas de São Paulo. Saiu do “norte”, nordeste na verdade, ainda moça; em pau de arara, carroceria de caminhão, dureza pura, para tentar a vida na capital paulista nas promessas da ditadura. A cidade cresceu desmedida, mas a promessa de eldorado não se concretizou. Na pobreza mantida, dona Zefa foi parar nas franjas da metrópole, esconso, nas quebradas da ZL, zona leste, esquecida pelo poder público.

Entrevada pelo acúmulo de achaques e agruras animou-se ao ver a mandatária na TV cercada de profissionais de aventais brancos. Davam entrevistas numa língua enrolada lá dos estrangeiros. Dona Zefa, já meio surda, valeu-se do neto: cubanos, vó, são médicos cubanos. Riu acabrunhada. Algum deles haveria de cair na unidade de saúde dali e quem sabe dar-lhe um jeito nas dores eternas. O neto sabido ela levaria como intérprete.

Cleo Ferreira
Enviado por Cleo Ferreira em 14/11/2013
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