Madrugada
São três horas da manhã. O sono já não me é tão fértil como antigamente. Os sonhos já se tornaram insonháveis. E a insônia, essa inconveniente, é minha companheira de todas as noites. Levanto-me. Na verdade, não cheguei a deitar-me completamente. Vou até a cozinha e coloco meio copo de café gelado, que sobrou do outro dia. Acendo um cigarro, no ato rotineiro do entorpecimento noturno. Pego meus óculos. Faço um encosto de almofadas, travesseiros e cobertores na cabeceira da cama e me posto em frente à televisão. Entre canais de venda, programas religiosos e filmes repetidos, passeio pelas emissoras em busca de uma distração que sei que não vou encontrar. Não demora e, logo, me irrito. Desligo a TV e, em meio à escuridão do quarto, vou até a parede oposta à cama. Corro as empoeiradas cortinas, que há muito não sabem o que é sair do lugar, e tomo coragem para abrir a janela.
Acendo mais um cigarro. Tomo mais um gole de café e me debruço sobre a janela. As luzes da cidade não falam, mas parecem querer passar uma mensagem. De repente, o quarto se ilumina com a claridade das ruas, como se um sol nascente se postasse diretamente para mim. Olhando para todas as direções, o contorno dos prédios, quase totalmente apagados, definem o horizonte, imerso na penumbra da madrugada. Pouco a pouco, a cada tragada, as últimas lâmpadas vão sendo desligadas. Sobram apenas os pontos vermelhos das antenas sobre os edifícios.
Bebo o último gole de café e acabo com mais um cigarro. Volto à cozinha. A maldita garrafa está com defeito. Dou alguns tapas sobre a tampa, na esperança de encher o copo, mas não funciona. Isso que dá querer economizar. Arrasto uma cadeira até o quarto. O vizinho de baixo acorda furioso com o barulho e bate com uma vassoura no teto. Não tenho como pedir desculpa, mas paro com o ruído. Abro a porta da varanda, sento na cadeira e estico as pernas na sacada, como se estivesse de férias. Acendo mais um cigarro para compensar a falta do café.
Não sei se nunca reparei isso, mas o ar da noite parece mais puro. O vento gelado se completa com a fumaça do cigarro para me preencher por dentro. O varal vazio balança, como um berço que quer ninar uma criança. Faltam roupas para ser penduradas? Não, falta tempo para pendurá-las. Falta tempo para sentir o delicioso sabor da brisa fresca. Falta tempo para abrir a janela. Falta tempo para me debruçar sobre a sacada. Será que toda essa vida vale a pena? Antes que pudesse concluir algo, o último cigarro da carteira acabou. Levante-me. Vou procurar outra. Não encontrei, então voltei com um copo de uísque.
O silêncio da madrugada é ensurdecedor. Envolve a alma mais do que a solidão de quatro paredes vazias. Apenas o ladro dos cães e o barulho de uma sirene distante ousam rompê-lo. Prova de que o caos também pode acontecer na surdina. Na calada da noite, palavras são desnecessárias. Não existe ninguém para ouvi-las. Elas podem apenas ferir. Nas ruas desertas, passam apenas os táxis carregados de bêbados. Além dos gatos que chafurdam o lixo alheio.
Olhando para cima, cego pela iluminação da cidade, parece que o céu está morto. Apenas coberto por um manto negro de luto. Sinto saudades de quando era criança e, na minha casa, podia deitar no quintal e perder as contas brincando de contar estrelas. Ficava horas e horas admirando aqueles pontinhos brancos e me questionando de onde tudo aquilo vinha. Claro, até minha mãe acordar e me colocar para dormir. Sonhava que estava nas estrelas, que sabia responder todas as minhas perguntas, que era ouvido pelos astros. Sem me preocupar com o dia de amanhã. Pensando bem, quando deixei de me perguntar? Quando deixei de sonhar? Quando deixei ver o céu? Quando deixei de ser criança? Não sei. Recolho-me a minha ignorância. Fecho a porta. Fecho a janela. Fecho as cortinas. Deito-me na cama e apenas espero amanhecer um dia em que eu possa responder.