Besta noturna ( Verídico)
Besta noturna _ Verídico
Eu já estava por sair, quando uma mulher pálida e duas crianças amedrontadas surgiram em minha casa. Assustei-me com o fato insólito; pensei que fossem fantasmas, pois não me lembrava de ver ninguém entrar em meu aposento. As crianças estavam com olhos arregalados, e aparentemente com medo de mim. Havia uma chama apagada de amor em seus olhos, e talvez já me conhecessem.
Antes que pudesse indagar qualquer coisa, a mulher de rosto triste pôs-se a narrar uma história: contava sobre uma besta que perambulava à noite, proferia anátemas, cuspia, falava alto, feria os outros, renegava o próprio bando, e às vezes, chorava. O lusco-fusco caíra, e eu estava com pressa, pois tinha coisas a fazer. Naquela noite, toda a hórrida história tornou-se ainda pior, quando a mulher declarou que a tal besta estava a ouvir a nossa conversa. Olhei para os lados, apreensivo, com um calafrio fremente a percorrer a espinha, porém nada vi.
Tomei a resolução de não sair aquela noite, por precaução talvez. Vendo que ficaria, a mulher sorriu de felicidade, olhos marejados; disse que a besta não atacaria aquele dia. Dei um suspiro de alívio, já que a tal criatura nos ouvia, era colérica, rugia e tinha bafo, e só aquietava-se ao alvorecer. Curioso, inquiri mais a respeito, e a narrativa sinistra começou a fazer sentido. A mulher olhou para o marido, e por sua revelação, fiquei atônito, ao perceber que a besta noturna era eu, embriagado.
Rafael Sad