João Sem Compreensão
Esta história até parece mais um desses contos recheados de bordões. Começando pelo nome do nosso protagonista: João. Joãozinho era um garoto comum, exceto pelo fato de sempre fazer confusão com a língua portuguesa.
Certo dia, quando voltou da escola, ele entrou na cozinha enquanto sua mãe preparava o almoço. Eufórico como sempre, chamou Dona Jurema para lhe dar uma informação:
– Mãe, um coleguinha da escola disse que o pai dele trabalha como engenheiro de software.
– Que bom, meu filho – exclamou a mulher, ainda enxugando as mãos no avental amarelado. – Ele trabalha com informática.
– Acho que não, pois o Rubinho me disse que quem trabalha com isso faz programa.
– Você realmente não tem jeito, hem menino! Nunca entende nada. Ontem mesmo eu lhe pedi que me trouxesse água sanitária e você foi buscar água na privada.
– Ué, achei que água sanitária vinha do vaso sanitário.
– Ah, credo!
De fato, não havia interjeição que desse jeito e que explicasse os equívocos do menino.
Apressadamente, ele atravessou a cozinha, rumando para o armário e lançando um olhar pidão para a mãe.
– Tem alguma coisa para comer?
– Tem pé de moleque na lata, em cima do armário.
– O pé de quem a senhora cortou?
Muito diferente do que aparenta ser, Joãozinho não fazia por mal. Ele realmente não compreendia as confusas expressões de nossa língua, isto é, confusas para ele. Nada entrava naquela cabecinha dura. Palavras homônimas e parônimas, nem se fala. O melhor a se fazer é não entrarmos nestes assuntos.
A tarde correu naturalmente, com as rotineiras traquinagens de comum menino de onze anos que ainda gostava das antigas brincadeiras que já estão se tornando extintas na geração da globalização acelerada, dos computadores, dos vídeo games super desenvolvidos e dos celulares que a passos longos de girafa vêm roubando os momentos únicos que apenas se vive na infância. Ele jogou bola, pulou corda, brincou de pega-pega e de esconde-esconde até ficar exausto. Jantou e recolheu-se em seu leito a fim de esperar o novo dia.
O sol ainda mantinha-se escondido, obstruído pelos altos prédios da cidade. Viam-se alguns poucos raios amarelo-avermelhados que tingiam o céu como um quadro de belas, porém, displicentes pinceladas.
Nosso embananado herói atravessou o portão da escola, de uniforme devidamente trajado e com a velha e encardida mochilinha nas costas. Felizmente ainda não havia batido o sinal, e todos os alunos ainda estavam no pátio. Uns conversando e outros, geralmente os mais pequeninos, correndo em completa desordem: Aquele característico ambiente alegre pré-aula.
A menininha de rotineiro olhar pueril, mas que tinha agora uma expressão zangada, aproximava-se de Joãozinho. Era Francisquinha, uma grande amiga. Achegou-se rapidamente e pôs-se a repreendê-lo sem qualquer saudação:
– Joãozinho, por que você estava dizendo que tinha penas no meu violão. Eu fui lá ver e não havia nada em cima dele.
– Mas foi você mesma quem disse, Francisquinha, que ele estava empenado. Fiquei com tanta pena de você, pois sei o quanto gosta daquele instrumento.
– Tá vendo? É por essas e outras que a Marieta não o convida para a festa dela. – A menina ralhou, irritada com as bagunças linguísticas do outro.
A cabecinha do garoto se embaralhou novamente. Ele arregalou os olhos e prosseguiu:
– Ela não está morrendo?
– Está doente, mas isso não quer dizer que esteja morrendo. – Desta vez ela foi paciente.
– Então! Disseram que não vão comemorar o aniversário dela agora em Setembro.
Nesse momento, quem ficou confusa foi Francisquinha, afinal de contas, a amiga não estava tão enferma assim.
– Por quê? – quis saber instantaneamente.
Joãozinho, no alto de sua inocência, respondeu sem fazer ponderações, expondo todos os seus pensamentos desordenados em ralação à língua portuguesa:
– Porque ela nasceu em Maio.
Diante do absurdo que acabara de ouvir, a menina apenas sorriu de alívio por sua amiga não se encontrar no alarmante estado em que fora informada pelo atabalhoado garoto.
– Mesmo assim, bem que a gente poderia fazer uma domingueira na minha casa nesta sexta-feira. O que você acha? – Joãozinho prosseguiu.
– Acho que não dá para fazer domingueira na sexta.
Para sorte de Francisquinha, outra amiga se aproximava, Patrícia, que agora era vista como sua salvadora. Não que não gostasse de Joãozinho, às vezes era muito divertido dialogar com ele, outras, entretanto, tirava a paciência de qualquer bom samaritano.
– Pessoal, vocês estudaram para a prova? – Patrícia já chegou falando.
– Estudei muito. Preciso recuperar minhas notas que caíram. – Francisquinha respondeu.
– Caíram aonde? Pegue-as de volta. – Lá foi ele fazer das suas novamente.
– Você é muito chato, Joãozinho. – As amigas repreenderam em uníssono.
Francisquinha, voltando-se agora para a amiga, continuou com a conversa:
– E você, Patrícia, estudou?
– Eu vou colar daquele menino que senta na minha frente. Ele é muito inteligente.
– O Mário? – espantou-se Francisquinha ante o mau exemplo revelado pela colega.
– Qual Mário? Ah! Já sei. É aquele que vem antes de você na lista de chamada, não é Patrícia? – Joãozinho interferiu.
– Não. Porque quem vem antes de mim é o Osvaldo, e antes do Osvaldo é a Nayane.
– Ué, por quê? – Dessa vez, o menino resolveu perguntar antes de dizer besteira.
– Porque a lista de chamada, Joãozinho, é feita em ordem alfabética. Não ligue, Patrícia, ele é maluco mesmo.
– Então deveria ser você mesma, Patrícia. A professora não disse que M vem antes de P e B.
Esta narração ainda poderia se estender por várias e várias horas, por centenas de linhas e parágrafos que revelariam diferentes peripécias, pois Joãozinho sempre está cometendo terríveis enganos. Quem sabe um dia ele possa estudar mais e assim compreender melhor a nossa língua, que de tão bela e rica acabou se transformando em um monstro para muita gente.
A revisão de texto consiste em correções ortográficas e gramaticais, obviamente, atento às constantes mudanças gramaticais. Faço revisão gramatical e de estilo. Quem se interessar me contate por e-mail: edinaldogarcia@outlook.com