Paragens urbanas nº 1
Descendo pela rua da Bahia vejo duas pessoas andando vindo da Augusto de Lima. Andam juntos devagar, corpos quase colados. O tempo está úmido, com uma garoa intermitente as pessoas andam usando roupas de frio e carregando guarda-chuvas e sombrinhas. Estes dois passaram por mim e quase não os percebi, teria sido um baita deslize da minha parte. Agora andavam à minha frente.
Um deles, vestindo blusão com capuz vermelho atrai minha atenção quando joga uma carteira no chão. Penso, por instinto, em pegar a carteira e lhe devolver. Mas é melhor manter certa distancia. Ele vasculha o conteúdo da carteira nas mãos, guarda o dinheiro no bolso e vai jogando vários cartões no chão até pegar um cartão de ônibus.
- Isso aqui eu preciso- Disse o outro pegando o cartão com agilidade. Ele está com uma vestimenta igual, porém branca. Pela voz, é uma mulher.
Respiro devagar, entendi o que aconteceu. Me perco imaginando os detalhes, deixo a imaginação voar. A chuva fina cai tocando meus braços como pequenas lâminas me trazendo uma sensação bucólica. A chuva fina me produz paz.
- Me dá esses dez aí. – Diz a mulher.
O homem nega e tenta pegar o cartão de ônibus dela. Considero se devo fazer alguma coisa e então reconsidero.
-Pelo menos pra uma cervejinha. – O homem solta o cartão, no movimento percebeu meu vulto atrás deles. Ele não sabe que só pretendo observar por hora.
Com medo, ele então faz o que conhece, me sonda sem olhar para mim. Mete a mão dentro do agasalho vermelho e segura o cabo do revólver em sua cintura. Penso em como é melhor pra ele que não se vire na minha direção.
A mulher ainda não percebeu nada.
Fim de noite no centro, passamos por cantos escuros da rua, mas ainda assim ele não reage. Ao atingir a Afonso Pena ele solta o revolver e apressa o passo passando em frente ao hotel. Alí ele vai para um lado e eu para o outro como deve ser agora.
Estou inquieto com a situação, me pergunto quem são eles e o que são um para o outro. Quem sabe de onde veio a carteira que jogada no chão e o que aconteceria se em vez do lobo, eu fosse visitar o cordeiro hoje. Alguns dias são dias de tosquiar cordeiros.
Atravesso a Afonso Pena com o sinal ainda aberto, nenhum sinal de carros por perto. Ainda olho para os dois, o tempo quase acabando. Antes de por os pés no canteiro e seguir com meu caminho ele olha para mim. Seus olhos estão assustados, tomados por uma vida dura e cheia de pecados que agora se jogam no meio de todo aquele vermelho. Tento usar meus olhos para pedir desculpas, mas sei que ele não verá por que está muito escuro onde estou.
Um carro canta pneu e perde o controle. A garota, que pensava ainda na cerveja que podia tomar hoje salta com agilidade pra longe do carro. O rapaz ainda pensava em mim.
Não leva muito tempo e ela foge correndo tomada por um medo que não consegue entender. Esse medo vai acompanha-la mas ela não pode ser tocada ainda. Me viro e sigo em direção ao viaduto, para outro mais. Me entristeço, mas dizem que é só por que estou me acostumando a este trabalho.
A chuva cai fina trazendo paz, mas está escuro aqui onde eu estou.