MARIA ANTONIETA
                        Arnaldo, um metro e noventa e dois de altura, construídos em vinte e dois anos. Cursava o segundo semestre da Faculdade de Direito da UFRGS, quando conheceu Mercedes no bar da faculdade. Ele, sentado numa mesa do centro do bar, ao lado de inúmeros colegas e ela, só, sentada no banco mais alto junto ao balcão do bar. Havia pouco ela tinha cruzado as pernas, colocando a esquerda sobre a direita e a saia deslizara, revelando algo mais do que dez centímetros acima do joelho. Aí foram os joelhos de Arnaldo que tremeram. Embora ainda não soubesse o nome dela, Arnaldo julgou o caso e proferiu sentença inapelável: dou provimento ao meu coração (e algumas partes inomináveis em documento oficial) para declarar-me competente para apreciar a petição de meus sentimentos e decidir que a morena sentada naquele banco do bar é a mais linda estudante da faculdade!
                             Buscou informação. Ela estava no quarto semestre, tinha vindo do interior, morava sozinha e tinha um “certo compromisso” com alguém fora da faculdade.
                        Arnaldo pensou em desistir, mas ao lembrar o pedaço de coxa cruzada no banco do bar, percebeu que estava defintivamente condenado: ou à “graça indizível de teus passos eternamente fugindo...” (Vinícius de Moraes em Ternura), ou à possibilidade de que “...tudo seja infinito enquanto dure,” (Vinícius de Moraes em Soneto da Fidelidade).
                         Afinal, naquela época, para Arnaldo, tudo era Vinícius de Moraes. Eventualmente, Drummond ou Quintana.
                     Foi por volta das dez horas de uma quinta-feira que Arnaldo desistiu de uma aula de Direito Civil e foi para o bar tomar um café.
                    Mercedes estava lá, sentada no banco alto do balcão do bar, com uma saia azul escura e a perna esquerda cruzada sobre a direita. Calculou em dez centímetros o recuo da saia sobre a coxa. Hesitou. O coração disparado. Respirou fundo. Sentou no banco ao lado e pediu um café. “Pingado”, murmurou, entre dentes.
                           Para Arnaldo havia três tipos de mulheres: as descartáveis, as comíveis e as deusas. Mercedes estava incluída no grupo das deusas. Se tivesse algum sucesso com ela alcançaria o Olimpo. Puro desafio. Talvez inalcançável desafio.
               Sentado ao lado dela no bar, calculou as possibilidades. Nada sabia da deusa, exceto o fato de ser muito bonita. Para estabelecer contato arriscou um: “Chato o que fizeram com a Maria Antonieta!”.
                      Funcionou.
                    Ela olhou para ele, como se o tivesse visto pela primeira vez.
                   
                    - Maria Antonieta? O que fizeram com ela?

                    - Guilhotinaram. Cortaram a cabeça.

                    - Que horror! Não li nada sobre isso!

                   - Pois é. Achei uma injustiça.        
                   Foi então que Arnaldo mudou Mercedes para a categoria das “comíveis”.
Nelson Eduardo Klafke
Enviado por Nelson Eduardo Klafke em 09/11/2013
Reeditado em 14/03/2017
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