Estações

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Sinto que as estações avançam. A Terra, caprichosa, inclina-se em relação ao Sol, mas é a Lua que me tortura. É a atração poética e irreal do Astro iluminado que me tira o sono, envolvendo-me no etéreo[1] devaneio[2] da incessante busca. A translação ainda está em curso e apenas quartel[3] do movimento se efetivou. São doze meses, doze signos, quatro períodos muito bem definidos pelos luminares[4]. Entretanto, as intempéries[5] provocam turbulências que afetam todas as ondas de afabilidade – migramos, em questão de segundos, da máxima afetividade para o extremo contraponto, uivando descortesias que derrubariam a mais sólida fortaleza.

Quando Terra, Lua e Sol se alinham, provocando ondas gigantescas, ameaça-se a calmaria. Busco a serenidade das brisas, mas a sizígia[6] nos persegue e o mar, encantamento de surfistas e deleite[7] de sofredores e misantropos[8] plumitivos[9], parece devorar-me. Tenho medo. A onda, entusiasmo ofegante, restringe-se diante da portentosa[10] energia lunar, submergindo meu fôlego e me condenando ao degredo[11] da espera. Temo quando não seguro a língua de fogo que golpeia e, reflexivamente, fere-me o âmago[12] pungido[13] pelo diferimento[14] do encontro.

Impregnado pela alcunha de Sol, acalorado, revolto-me e me expando, furioso, desnudando meu recôndito[15] e pérfido[16] torpor[17]. Odeio trilogias! Abomino desvios de campos e de visadas, pois o amor não se distende para além dos corpos atingidos pela flecha. O amor é condutor e, portanto, eletriza-se e eletriza, permitindo choques duais condutores e conduzidos pelos fluidos da incompletude. Quem busca contemplar qualquer terceiro elemento, intimidando e constringindo[18] o coração do outro, não ama – apenas brinca de amenidades sensuais e sensoriais. Quando a alma grita, revelando nomes no exato instante do afloramento e do deleite, Pedro não pode virar Eugênio, pois a territorialidade masculina não admite substitutos casuais, nunca. Na dúvida soletre: ‘E’-‘u’ vou... E deixe que o ego do homem conclua o fingimento a favor daquilo que a mente sedenta impõe sofismar[19]. No hiato, entre o ‘e’ e o temerário ‘u’, a pausa salvou a melodia dos corpos, implorando vigorosos e renovados gritos.

Urge outonizar minha esquadrinha[20]! O amor que plantei exige premente colheita. Se nos amamos durante a madrugada, quando dormem os tolos e todos aqueles que se acomodaram diante do amor, está no outono – claro! – a senha apocalíptica do nascedouro toque. Precisamos do contato. Os exacerbados graus centígrados do Sol desejam volatizar a temperança[21] lunar, fundindo a magia do calor dentro da singeleza maternal. Preciso gestar[22] meu desacolhimento[23] e, embora exista insondável vácuo a nos separar, o cerne da polinização está na persistência. Abra-se em polvorosa entrega e me convide... Bastaria singelo e discreto singrar da onda-mãe, convidando os feixes fecundos dos raios espermatizados do Sol.

Quem cria olheiras. Quem se faz insone na esperança de escutar os sussurros da noite, auscultando as pulsações de corações que se alinhavam em permissivos grunhidos de espanto carnal, merece tocar o intangível. Esperar é arte sofrida. Ansiar, ventilando possibilidades e buscando janelas diante do brutal fechamento de portas, não pode ser entendido como grosseria romântica – no máximo, agonia e impotência. Que beleza haveria na lucidez humana sem os voos levianos da perseverança imatura singrando[24] a mente alucinada dos amantes? Por que apenas nos fios da noite e nas vibrações calóricas da intempestiva[25] casualidade se forma a contenda? Se amar for travestir-se de insanidade, os loucos não precisam de escondimento. A não vulgaridade do amor está na permanência – evoluem os homens, mas todos os que amam são pueris!

No calor do meu corpo o que reina é o frio de incomensurável solidão. O outono não está em outubro. Nem em novembro! Outono. Ou... Outubro. Ou... Ou ‘Tu’, enquanto amada, desvincula-se das daninhas aproximações, ou no semear do nosso acolhimento nenhum vergel[26] se erguerá. O joio sufoca o trigo. Tenho a bainha, mas me falta quem polinizar. Preciso hibernar e, para isso, quero aninhar-me. Sinto a presença da seiva. Tenho o sabor do néctar nos lábios e, ardentemente, perscruto[27] o horizonte banhado de flores que enfeitarão nosso acasalamento.

Infelizmente, de real e concreto, no horário nobre da minha existência, tudo o que tenho de nós são discretas e imprecisas cenas dos próximos capítulos. Que o verão nos presenteie com os frutos do nosso amor, apesar de a meteorologia nos informar, diariamente, que virá severa estiagem.

Iguatu-CE, 6 de novembro de 2013.

02h12min

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[1] Celeste, elevado, puríssimo.

[2] Quimera, fantasia. Ideia de quem devaneia. Delírio, desvario.

[3] Quarta parte de um todo.

[4] Astros.

[5] Inclemência do tempo. Perturbação atmosférica, mau tempo.

[6] Conjunção da Lua e do Sol, na lua nova e na lua cheia, quando as marés altas são maiores e as marés baixas são menores, que provoca as chamadas marés de águas vivas.

[7] Prazer suave e prolongado.

[8] Melancólicos, que não gostam da convivência social.

[9] Escritores.

[10] Assombrosa, prodigiosa.

[11] Situação que provoca grande infelicidade.

[12] Íntimo.

[13] Atormentado. Magoado moralmente.

[14] Adiamento.

[15] Profundo, do âmago. Oculto, ignorado. O âmago, o interior, o íntimo do coração. Escaninho, segredo.

[16] Infiel, traidor.

[17] Indiferença.

[18] Apertando, contraindo.

[19] Dar aparências de verdade a asserção que se sabe ser falsa. Iludir.

[20] Busca.

[21] Hábito de moderar o apetite sensual, os desejos, as paixões. Comedimento, moderação.

[22] Dar origem, criar.

[23] Repulsa.

[24] Percorrendo, navegando.

[25] Que não vem no tempo devido ou vem fora do tempo próprio. Inoportuno, inesperado, súbito.

[26] Jardim.

[27] Observo atentamente, investigando.

Nijair Araújo Pinto
Enviado por Nijair Araújo Pinto em 06/11/2013
Reeditado em 08/11/2013
Código do texto: T4558732
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