O cara mais popular da cidade
Definitivamente, ele era o cara mais popular da cidade. Aos fins de semana seu celular não parava de tocar. Ronald era o garoto com que todos daquela pequena cidade queriam estar. Homens, mulheres, anões, gays, etc., e por mais estranho que pareça, não despertava a inveja de ninguém. Havia um forte motivo para ele ser tão cativante e socialmente disputado, Ronald tinha um poder especial, que beirava o sobrenatural: qualquer um que estivesse ao seu redor sentia-se incrivelmente bem consigo mesmo.
Ronald adorava seu sucesso com as pessoas ao redor, até porque ele tinha tudo que queria, todos os dias chegavam a sua casa presentes acompanhados de convites para festas, rotineiramente era visto em restaurantes chiques com gente que fazia questão de pagar a conta, mesmo que Ronald ensaiasse uma recusa. Estar com ele era praticamente uma terapia.
Mas Ronald, apesar de sua bem-querência absurda, sequer havia beijado uma mulher, tampouco transado, ele ainda nutria essa angústia interior, mas era receoso em tocar nesse assunto com alguma garota, até porque elas sempre faziam de deixar claro que suas intenções para com ele eram exclusivamente de amizade. Em lapsos de otimismos Ronald cogitava que sua virgindade era consequência de sua popularidade, que deixavam-nas intimidadas a investir em alguém tão especial. Mas a verdade é que o rapaz precisava descobrir o porquê de seu fracasso com as mulheres, já que era tão admirado e requisitado.
Em um final de semana qualquer, Ronald foi convidado para uma das festas mais badaladas da cidade, onde só a elite tinha presença confirmada. Como de costume, um carro foi buscá-lo em usa porta para garantir que ele iria realmente. Despediu-se de sua adorável mãe e partiu para mais uma grande noite. Logo ao chegar, foi recebido com presteza por um dos homenageados, Elísio, um jovem asqueroso com uma verruga peluda na ponta do maxilar que insultava qualquer bela paisagem. Este puxou a cadeira e pediu que Ronald se juntasse a ele. Na mesa havia duas mulheres deslumbrantes e educadas. Os quatro empreenderam uma longa e divertida conversa regada à risadas desleixadas e muitas doses de tequila. Durante o tempo de diálogo, Ronald trocava olhares insinuantes (e por vezes relutantes) com uma das moças, uma loira de expressão simpática e despreocupada. Quanto mais álcool acontecia naquela mesa, maior a vontade dele em cortejá-la para além da troca de olhares.
Deu-se então o momento em que ela levantou para ir ao banheiro. Ronald que simultaneamente se prontificou a acompanhá-la antes que a amiga o fizesse. A loira aceitou a gentileza e eles se dirigiram até lá jogando frases soltas pelo caminho. Assim a moça entrou a passos sensuais no toilete o ansioso rapaz respirava fundo como se buscasse coragem nos pulmões para aplicar sua investida vitoriosa. E de repente foi o que fez, do modo mais destrambelhado e ingênuo possível, invadiu o banheiro feminino e empurrou a garota contra a parede interrompendo seu retoque no batom.
- Acho que tá rolando algo entre nós. – disse Ronald em tom de súplica, tão ofegante quanto esperançoso.
- Do que você tá falando , cara? Tá louco!? – perguntou a moça em tom de perplexidade, tentando se desvencilhar dos braços que o cercavam.
- Não precisa disfarçar, me beija vai. – Com uma confiança infundada em mais um lapso de otimismo.
Ronald força um beijo e a colisão dos lábios desencadeou numa colisão do que era, e do que passou a ser sua vida a partir dali. Tomada por uma súbita força hercúlea, a moça conseguiu afastá-lo e começou a berrar acompanhada de uma expressão enojada.
- Seu filho da p...! Nojento! Você não tinha o direito de fazer isso! – Vomitava exclamações junto sua doçura antes vista.
- Por que esse escândalo? Foi só um beijo, e além do mais, não foi dado por qualquer um, foi por mim, Ronald, o cara mais querido da cidade!
- Você é um imbecil mesmo, ninguém te ama, cara, você não tem nenhum poder especial! As pessoas simplesmente te usam, te querem por perto porque você é o sujeito mais FEIO dessa merda de lugar! Elas querem você por perto para se sentirem bem com elas mesmas, para se convencerem que mesmo em dias ruins, sempre vai haver gente em situações piores!
- Do que você tá falando!? Isso é uma piada, você é uma piada, sua vagabunda! – Esbravejou Ronald com medo de perceber a verdade.
- Eu sou uma piada? Olha pro seu lado, esse espelho revela quem é o motivo de chacota aqui. Só tô aqui hoje posando de moça grã-fina porque fui paga pra isso. Mas o Elísio com aquela verruga ridícula nos prometeu que não ia haver nenhum tipo de aproximação, ainda mais vindo de alguém como você!
Depois que a moça cessou o falatório, Ronald percebeu a aglomeração em torno do banheiro, e, num ponto de interseção entre pesadelo e realidade, começou a caminhar em direção a saída sem pronunciar uma palavra sequer. Um vão abria-se entre as pessoas a cada passo pesaroso de Ronald. A festa partiu-se em silêncio, e só se ouvia os toc-tocs de seus sapatos ostensivamente engraxados.
Depois daquela noite, a cidade nunca mais ouviu falar do Feio Ronald, como era apelidado pelas costas. Passado um tempo, muitas das pessoas que sempre o convidavam para sair se deram conta que Ronald não os deixavam bem apenas por ser muito mais feio que eles, mas também por ser uma grande homem, divertido, simpático e bem-humorado. Mas já era tarde demais para lamentações, e a cidade precisava de alguém para substituir o Feio Ronald.