Sr. Péricles.

A primeira recordação que vem à mente quando penso no Sr. Péricles é a dele atravessando a praça matriz, vagarosamente, meio cambaleante, camisa, bermuda, sandália de couro marrom e um copo de uísque na mão, Logan, de preferência, em direção ao Botequim do Seu Joaquim, o Joca.

Na época acho que Sr. Péricles tinha entre sessenta e quatro ou cinco anos bem vividos. Foi agente fiscal de renda do Estado de São Paulo durante décadas, onde adquiriu não só uma boa renda como uma boa síndrome bipolar, que ele não cansava de elogiar, como se fosse uma vantagem sua entre os demais. Dizia sobre grandes ícones da história que também eram ‘bipolares’. Foi também acionista da bolsa de valores, onde varava madrugadas entornando garrafas de Logan e fazendo seus investimentos.

Nos últimos tempos perdeu de vez a paciência com a humanidade, e a todos xingava por qualquer motivo, mesmo o mais banal, como um simples questionamento, coisa que não aceitava mesmo, o emputecia, erguia-se da cadeira e acabava com a raça do cidadão, com o copo sempre em riste, feita uma espada. Levou muito soco na vida por causa disso.

Como gostava de garotas de programa, se envolveu nas mais abjetas empreitadas. Um dia resolveu buscar uma dessas na rodoviária de Sacramento, pegou a moça, a sacola, os silicones e a trouxe para sua casa. Tentou levantar a pingola, encheu a cara de uísque e cerveja, mostrou música clássica, disse que a amava, e desmaiou. Eram lá pelas duas da manhã quando abriu os olhos e viu que o arrastavam, assim como grande parte dos bens de sua residência, que se iam para dentro de seu carro, uma perua is crazy dead... Deu um sobressalto e tentou avançar (não é que a prostituta havia aberto os portões para que seu macho entrasse?) esbravejante, sobre o casal, mas levou um soco no rosto e caiu desmaiado na grama do jardim. Ali passou até que o encontrassem no dia seguinte, muito mal da cabeça.

No bar gostava de criar arruaça, era velho, inteligente e respeitado, palmeirense fanático, era inclusive sócio do Palestra, mas poucos o aturavam, ele e sua conversa, e eu era um deles. Gostava dele e de ouvir a erudição exalar daquela mente louca, burocrática e reacionária. Lutou a favor da ditadura contra ‘aqueles cabeludos fedorentos e malditos!”, defendeu a democracia e a valorização do mais apto, e mais apto ele era, até tentar comer uma de suas putas vazias, num quarto de estância turística, depois desta arrancar metade de seu patrimônio e o sufocar com sua vagina ácida-lisérgica, à qual havia embebido, premeditadamente, com LSD, ceifado de vez sua vida, que se fora, já que tinha que ir, com um largo sorriso nos lábios. Deve estar bebendo e xingando todo mundo em algum outro plano espiritual, isto, se houver...

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 23/10/2013
Reeditado em 24/10/2013
Código do texto: T4538121
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.