A VIDA SEM GLAMOUR DE ANDRÉ CINTRA
Não me recordo de tê-la deixado à porta do teatro. Mas também deixo de lembrar tantas coisas. Acho que devo procurar o doutor... Como é mesmo o nome dele? Ah, depois procuro no livreto do plano de saúde. Alguma solução ele há de ter. Não me recorda de antigamente haver pessoas com tantos problemas de memória. Talvez menos lembranças a guardar, menos informações a ser retidas, não?
Mas, voltando. Não me recordo mesmo de tê-la deixado ali. Ah, muitas vezes ela costuma me pregar essas peças. Diz que a levei aos chás e reuniões de amigas. Mas, vá lá, as velhinhas adoram se reunir. Acho que falam do passado, daquelas lembranças já esgarçadas pelas brumas do tempo. Recusam o futuro que, para nós, é logo ali. Questão de poucos anos, de meses, quem sabe? O futuro é como um farol de trânsito, cujo guarda é aquela senhora de preto que costuma brandir uma foice contra os desavisados. Espero não vê-la por agora, sabe? Por isso vou ao doutor... Como é mesmo o nome do maldito? Lá no caderninho tem o nome dele. Depois procuro.