O ESQUELETO DELA
Guardei o esqueleto de Zilda no guarda roupa. Bem na porta do meio, pois meu guarda roupa possui três portas. Posição central, de honra, de destaque. O esqueleto dela merece. No oratório, que comprei de uma artesã, acomodo todos os nossos santos de devoção e mantenho a vela sempre acesa pela noite inteira. Merece. Puxo pela memória e encontro, relembro, o número sem-fim de curas que ela empreendeu através dos benzimentos que praticava. Com os modernismos vejo que Zilda e outras benzedeiras caminham para a extinção. Ninguém se preocupa mais com mau olhado, espinhela caída e outras mazelas antigas. Acho que são coisas de velhos. Riu para o guarda roupa, ali, onde a mantenho e para a porta do meio. O esqueleto dela merece. No quintal o pé de arruda segue frondoso como se aguardasse pela volta dela e quisesse oferecer um galho seu para que aquelas mãos santificadas operassem os costumeiros milagres num ritual de vai-vem nas cabeças dos enfermos.