O céu e Cecília
Cecília lia um livro na sala mobiliada com mesa, cadeiras e armários antigos. Esse livro estava guardado há anos em um desses móveis velhos. Após as primeiras linhas, os olhos dela já estavam molhados. Cecília segurou a última lágrima, suspirou e fechou aquelas páginas cheias de fragmentos de memória afetiva. Havia também naquele ambiente grande carga de lembranças espalhadas pelas paredes, portas e janelas. Percebendo isso, ela saiu da sala sentindo que não suportaria aquela impregnância.
A tarde estava nublada, o que influenciava no humor melancólico de Cecília. Antevendo a chuva, ela foi até o quintal e retirou as roupas do varal. E ao olhar para o céu, ela percebeu alguns pássaros pretos voando em contraste com o cinza claro das nuvens. Nesse momento ela sentiu vontade de fotografar aquela cena. Mas outro ímpeto estava a conduzindo a fazer algo que há meses não arriscava: escrever um conto. A falta de prática com seus antigos hábitos a fazia acreditar que voltar a escrever uma história era algo impossível. A situação se agravara diante da morte do seu marido, que sempre foi seu porto seguro, a motivando a seguir na carreira de escritora, e a quem ela sempre nutriu um amor muito grande. Manoel havia falecido há dois meses, mas ainda estava mais do que vivo no sofá da sala lendo o jornal todas as manhãs, na xícara de café forte e sem açúcar deixada encima da mesa da cozinha, no cachimbo debruçado na janela do quarto, no pijama azul pendurado no cabide, ao acordar, no violão encostado na cadeira da varanda e nos olhos amendoados de Cecília, ao se olhar no espelho.
Como quem joga a toalha branca e desiste da luta, Cecília sentia que seu coração não seguiria aquele ritmo que sua mente insistia em manter. Mas, naquela tarde em especial, ela sentira, ao recolher as roupas do varal, um suspiro trazido pelo vento. Era Manoel pedindo para ir embora: “Me liberta, minha flor. Assim só vais nos fazer sofrer ainda mais”. De imediato, ela correu para a varanda, onde havia uma mesa com seu caderno e sua caneta e automaticamente começou a escrever. Nesse instante o Sol apareceu no céu, trazendo um enorme arco-íris, e um sorriso no rosto de Cecília.