Paulo saiu da clínica confuso demais.
 
Como imaginar um exame de rotina, que ele fez somente porque a querida mãe insistiu (aproveitando uma visita de Dona Vânia ao médico da família a qual ele acompanhou), quase brincando, trazendo uma informação tão grave e inesperada?
Se ele sentia o corpo bastante saudável e a mente repleta de energia, como estaria condenado à morte?
Como digerir a dura verdade?
Cinco a seis meses de vida, segundo o médico, restavam para que Paulo abandonasse a pátria azul.
 
Após pedir a Doutor Célio que não contasse aos pais, prometendo, na segunda, começar o tratamento rigoroso, Paulo resolveu ver o mar.
Nunca mais fizera isso.
A namorada, Ritinha, não aprovava.
Sempre reclamava quando ouvia tais sugestões de Paulo.
Contemplar o mar, ver o Sol iniciar o descanso, olhar o céu estrelado, na concepção dela, era pura tolice.
 
Observando o mar demoradamente, Paulo percebeu que, em breve, deixaria uma vida chatérrima.
Ele não gostava de Ritinha.
Somente decidiu casar com a moça, pois os pais, principalmente o genitor, um empresário importante, definiu a união de Paulo com a filha de um outro grande empresário.
Considerando que o casal cresceu no mesmo círculo, ambicionando construir um patrimônio seguro, Doutor André aconselhou Paulo a transformar a amizade em algo mais sério.
Tudo muito conveniente, porém contrário aos anseios de Paulo.
 
Débora, a irmã do amigão José, sempre foi a grande paixão de Paulo.
Os dois irmãos, naquela noite de sexta, viajariam para Paris.
Eles pretendiam investir na carreira artística.
Receberam um convite tentador de um cineasta.
Independentes, ousados, donos de uma boa herança após a morte prematura dos pais, os dois não recusaram a proposta.
Convidaram Paulo, sugerindo que o jovem largasse o futuro idealizado pelo pai, trocando comandar empresas por satisfazer a vontade de ser ator a qual o moço sempre nutriu.
Débora, também apaixonada por Paulo, pediu, insistiu, mas o dever filial e a covardia prevaleceram.
O rapaz não topou encarar a aventura.
 
O celular tocou, ele conferiu o nome “Ritinha”.
Não sentiu o mínimo desejo de atender.
Falar com Ritinha, seguir adiante com o noivado, continuar um projeto o qual nenhuma emoção despertava, não fazia qualquer sentido agora.
Se ele estava morrendo, se daqui a seis meses já não habitaria o globo, Paulo percebeu que, no término da vida, a melhor opção era viver.
 
Paulo se levantou e atirou o celular o mais longe possível.
O objeto desapareceu no meio das águas tranqüilas do bonito mar.
 
Alguns adolescentes, curtindo a bela manhã, jogavam bola.
Ele pediu para participar.
Os garotos estranharam, no entanto permitiram.
A pelada seguiu durante cerca de trinta minutos.
Paulo jamais se divertira tanto.
 
Por que crescemos fazendo a criança solta e alegre sumir?
 
Na hora de retornar, Paulo notou que o seu carro não estava no local onde o colocou.
Provavelmente roubaram o veículo.
Paulo sorriu.
Interpretou o fato como um sinal de que os carrões que sempre guiou pertenciam ao passado.
 
Ele resolveu experimentar um ônibus.
Conheceu, então, o famoso buzu.
Meio atrapalhado confundiu as portas.
O cobrador não tinha troco, mas Paulo não ligou.
Durante a curta viagem, sentado, o rapaz, observando as paisagens, considerou a experiência muito legal.
 
Chegando em casa, encontrou os pais inquietos.
_ Paulinho, Ritinha está preocupada querendo falar contigo!
A pergunta de Dona Vânia fez Paulo sentir uma forte tristeza, pois a nova jornada não contaria com a presença da adorável mãe.
Eles jamais ficaram afastados, no entanto seria impossível convencer a mãe a acompanhá-lo nesse instante.
_ Mamãe, eu não tenho mais nada para falar com Ritinha.
_ Como assim, Paulinho?
_ Eu tomei uma decisão importante. À noite seguirei com José e Débora rumo a Paris. Eu vou ser ator.
O pai, revelando surpresa e irritação, indagou:
_ Você está louco, Paulo?
_ Não, papai! Eu estou bastante lúcido. Nunca gostei de Ritinha, ela sempre foi uma amiga. Eu nunca quis ser empresário, eu pretendo me tornar um excelente ator de cinema.
_ Se você viajar, eu vou te deserdar. Eu não vou sustentar os seus sonhos imbecis e inúteis!
_ Não tem problema, papai! Eu me viro. Vou separar algumas roupas para a viagem. Só preciso de duas ou três peças. O resto das coisas eu agradeço, mas pertencem ao senhor, portanto podem ficar aqui.
A mãe chorando perguntou:
_ O que está acontecendo, Paulinho?
_ Mamãe amada, eu peço que compreenda a minha decisão. Eu preciso desfrutar a vida que combina com o meu coração.
Os dois se abraçaram emocionados.
 
Trinta minutos depois, Dona Vânia obrigou Paulo a lanchar, deu algum dinheiro ao rapaz e lhe desejou muita felicidade.
O pai ficou trancado no quarto.
_ Prometa que vai ligar!
_ Assim que eu puder, dou notícias. Fique bem, mamãe!
Paulo beijou Dona Vânia com uma ternura especial.
_ Eles virão te pegar?
_ Eles não sabem que eu vou com eles!
_ Como?
Paulo saiu apressado e sorridente.
Antes de atravessar o portão, beijou a empregada e gritou:
_ Tchau, papai! Tchau, mamãe! Torçam por mim!
 
Ele voltou a pegar um ônibus.
Seguiu rumo ao aeroporto.
Faltavam cinco horas para o vôo dos irmãos sonhadores.
Ele sabia, pois havia combinado abraçar a dupla no aeroporto.
Quando Débora chegou e percebeu a mochila de Paulo, falou alegre:
_ Eu não acredito, Paulo! Você vai conosco?
_ Se vocês dois aceitarem bancar um marmanjo enquanto eu me organizo, eu viajo com vocês.
José respondeu animado:
_ A gente promete não deixar você morrer de fome!
 
Quinze dias depois, Paulo ligou para a mãe.
_ Mamãe, tudo bem?
_ Paulinho, por que demorou tanto de ligar, meu filho?
_ Eu primeiro me organizei, depois liguei conforme prometi.
_ Paulinho, a gente ficou sabendo do exame. Doutor Célio te procurou no dia seguinte e explicou o que aconteceu. Você pode ficar calmo, houve um erro, trocaram os resultados, Você não está doente, meu querido!
_ Que maravilha, mamãe! Eu nem sequer pensava nesse assunto, mas é muito bom saber que não estou morrendo.
_ Você vai continuar querendo ser artista?
_ Claro, mamãe! O erro do resultado foi a melhor coisa que aconteceu. Me diga uma coisa, como está Dulce (a empregada), papai e Ritinha? Eu reconheço que viajar sem dizer nada a ela não foi legal...
Dona Vânia interrompeu:
_ Não ligue pra isso, Paulinho! Soube que ela já está namorando outro rapaz. Nesse ponto você acertou. André continua revoltado, mas vai passar. Dulce, igual a mim, está cheia de saudade.
Mãe e filho prosseguiram conversando cerca de mais dez minutos.
 
Encerrando a ligação, Paulo se aproximou da janela do apartamento o qual dividia com Débora, a futura esposa, e José, o amigo de infância.
 
Os projetos artísticos avançavam de maneira auspiciosa.
O cineasta estava empolgado com o trio.
 
O rapaz, respirando fundo, admirando uma árvore distante, concluía que paradoxalmente iniciara a vida após saber que deixaria de viver.
A mudança positiva que aconteceu parecia uma mágica genial.
Quantos, escutando a notícia de uma doença terminal, não ficariam desesperados e complicariam o quadro orgânico com o desequilíbrio emocional?
No caso de Paulo, a notícia fez o rapaz alterar os passos da jornada.
Ele anulou uma existência artificial e criou uma nova história.
 
Essa nova história Paulo merecia.
Todos nós merecemos.
Ela é composta por metas que cada ser humano alimenta, entretanto não poucas vezes costumamos desprezar a proposta real do âmago e elaborar um conto sem graça, com um enredo bem desagradável.
 
Paulo felizmente não hesitou.
Supondo que as suas horas estavam contadas, buscou desfazer as páginas tristes, que nem sequer teve o direito de escrever, preparando páginas especiais e fascinantes.
 
Depois de vinte e cinco anos jogados fora, nosso herói experimentou um encontro precioso e inesquecível.
Ele encontrou ou, talvez possamos afirmar, reencontrou a vida.
 
Um abraço!
Ilmar
Enviado por Ilmar em 05/10/2013
Reeditado em 05/10/2013
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