De Outros Carnavais

Eric do Vale

“Um telefonema bastaria

Passaria a limpo a vida inteira”

(Humberto Gessinger: Vida Real)

Além do cabelo curto e do aparelho dentário, seu nome e a cidade, onde morava, eram as únicas referências que eu, naquele momento, tinha a seu respeito. Acho pouco provável que ela se lembrasse de mim, considerando que já se passaram três anos. Sobretudo, de alguém que se tenha apresentado como Belmondo, pseudônimo por mim assinado nas criticas cinematográficas. Creio que seja essa, porque a cidade e o nome correspondem com as suas características, embora ela, aqui nessa foto, não use aparelho. Antes de mandar uma solicitação de amizade, escrevi uma mensagem dizendo: “Olá, eu conheço muita gente de sua cidade e você me pareceu ser uma pessoa bem legal, por isso gostaria de saber se poderia mandar-lhe uma solicitação de amizade?”. E se não fosse ela? Por isso, não mandei nenhum convite e, depois de alguns meses, quando digitei, na rede social, o nome de uma amiga minha, deparei com o dela. Mandei-lhe uma solicitação de amizade que, instantaneamente, foi aceita. Arrisquei por um “olá”, logo fui correspondido:

-Olá, observei agora que, em fevereiro, você tentou um contato comigo, foi isso?_ Perguntou ela.

-Bingo.

-Estava vendo o seu perfil. Parabéns pela profissão!Admiro quem mexe com arte, especialmente cinema!

-Muito obrigado!Você, por acaso, conhece a minha cidade?

-Conheço sim e tenho uma amiga que sempre vou visitá-la, que morava aqui antes.

-Espero não estar tomando o seu tempo.

-Nada disso, hoje estou de bobeira.

-Então podemos conversar um pouco mais?

-Sim. Por que você pediu a minha amizade?

-Você me parece com alguém que conheci, há muito tempo, por causa do mesmo nome e de ser da mesma cidade, além da aparência física.

-Quando foi isso?

-Há uns três anos...

-No carnaval?

Procurei dissimular a minha surpresa:

-Você veio pra cá naquele ano?

-Sim.

Meus amigos e eu havíamos nos programado para o carnaval daquele ano. Cada um juntou sua parte para o aluguel de uma grande casa na praia e estávamos em contagem regressiva. O expediente encerrou ao meio-dia, dei um pulo no apartamento para trocar de roupa e pegar alguns pertences. Em seguida me dirigi para a casa do Laerte, de onde saímos em comboio. Chegamos ao finalzinho da tarde, depositamos as nossas coisas e bebemos um pouco. Algumas horas depois, fomos à praça, onde todos já estavam em clima de festa. Aquela afirmação levou-me a reforçar a minha pergunta:

-Então você esteve lá nesse período?

-Sim, com essa amiga que lhe falei.

-Sério?_Perguntei espantado.

-Conheci um cara aí que tinha uma tatuagem enorme nas costas.

-Não era eu.

-Eu sei. O nome dele eu não lembro direito ou, talvez, lembre depois.

- E por acaso, vocês estavam em um apartamento?

-Estávamos em um apartamento, sim. E quem era você no apartamento ou em outro lugar?

Antes que eu respondesse, perguntei se naquela época ela usava aparelho nos dentes.

-Acertou._Disse ela, para a minha surpresa.

Senti a necessidade de acender um cigarro, mas havia, há pouco tempo, parado de fumar. Então, peguei uma pastilha de hortelã, comecei a chupar e pensei: “Isso só pode ser coisa de cinema!”. Ficamos sentados bebendo e jogando conversa fora até o amanhecer. Acordamos perto da hora do almoço, eu acho. Lembro-me de que fizeram um churrasco e eu bebi pouco, porque queria estar inteiro para mais tarde. Voltei para o computador anestesiado com aquela informação e indaguei:

-Você se lembra desse carnaval?

-De muitas coisas.

-Vamos lá, recorda-se de, uma tarde de sábado, quando você estava com suas amigas e veio um rapaz abordando você?

-Diga mais.

-Você estava dançando com uma garrafa de cerveja na mão e esse rapaz aproximou-se de você, imitando os passos...

-Lembro-me de um que se aproximou de mim, por pouco tempo.

Eu me levantei, fui tomar uma água, retornei para o computador e escrevi:

-Ele aproximou-se de você, no paredão, começou a dançar e se apresentou. Você falou que estava no apartamento com suas amigas.

-Certo.

-Lembra-se de mais alguma coisa?

-Sei lá, a gente se distanciou um pouco... Fomos até um carro parado e descansamos.

-Descansamos?

-Você estava apressado, dizendo que estava em um apartamento com uns amigos e me convidou para conhecer, mas fiquei com medo.

-Esse não era eu.

-Enfim... Acho que posso estar misturando as coisas... Coincidência demais entre mim e a quem você procura.

Fui tomar outra água e pensei: “Duas pessoas, da mesma cidade, com o mesmo nome e a mesma aparência física! Essa não! Como é possível?”. Depois de nos dispersarmos, eu a reencontrei na multidão, mas, dessa vez, acompanhada, de um rapaz e assim que me viu, falou:

-Eu estou com ele, agora.

Voltei ao computador e arrisquei:

-Esse rapaz era moreno, usava boné e estava sem camisa?

-Usava sim, estou lembrada... Isso vai levar a gente aonde?

Após mostrar-me às suas amigas, não tardou para ela querer saber o motivo de eu estar ali perto dela:

-Você._Respondi-lhe.

Se fosse concedido o prêmio de canastrão do ano, provavelmente eu teria faturado. Pelo jeito, não tinha a menor chance. Ela marcou para que nos encontrássemos à noite, naquele mesmo local. Levei na esportiva, pois sabia que não haveria de ser verdade. Assim que dei um “tchau”, ela fez um biquinho e fechou os olhos... Pensei que seria apenas um beijinho, quando senti sua língua na minha. Não nos desgrudamos até ela dizer:

-Agora vá.

De partida, voltei, puxei-a pelo braço e segurei na sua cintura. Ela tentou se esquivar até se render a um prolongado beijo.

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