A alcova dos amantes

Hotel Marvelin, sétimo andar.

Na alcova dos amantes depois de gemidos e sussurros, ecoou uma voz grave e ofegante:

- Se nesse momento um meteoro caísse na terra e a cobrisse de fogo, eu morreria feliz.

- Cala-te homem de Deus! Nunca mais repitas tal loucura. - retrucou uma voz feminina. Era Rosalinda, encantadora mulher nos seus bem vividos trinta e dois anos. Tinha cabelos negros, pele da cor de neve e olhos esverdeados. Uma deusa, por motivo desconhecido, expulsa do Olimpo.

- Vê o lado positivo. Se a catástrofe nos roubasse a vida terrena, restaria a candura da eternidade e tempo não mais seria estorvo algum. - prosseguiu a voz grave, agora não tão ofegante.

A voz era de Armando; um rapaz de vinte e seis anos, franzino e de cabelos castanhos curtos que não possuía nada de especial, além, é claro, da sorte. A sorte que lhe trouxera a mais bela mulher; Rosalinda.

- Oh! Cala-te, Armando, já não te mandei parar de resmungar asneiras?

Silêncio na alcova.

Tornaram às gargantas as palavras, e, novamente, brotaram estalos de beijos e sussurros.

De repente a delícia daquele momento foi perturbada, o pavor invadiu os corpos arquejantes, gritos ecoaram no corredor do sétimo andar do Marvelin.

Era Marcos. O marido de Rosalinda, um homem corpulento e bruto, de modo inimaginável, havia descoberto o ninho dos apaixonados.

A porta estremeceu às pancadas violentas de ciúme, os amantes se entreolharam, pálidos, buscando um plano de fuga que parecia nunca se revelar.

Então os gritos começaram:

- Abre esta maldita porta sua vadia ingrata!

- Abre ou botarei a baixo!

Rosalinda, num ato audacioso, tratou de guiar Armando aos empurrões em direção à janela do quarto.

- E tu, ficarás bem nas mãos deste insano? - questionou ele, gaguejando de medo.

Não te preocupes comigo, ele não me fará mal.

- Trata de te equilibrar no parapeito da janela e cuida em não fazer qualquer ruído. E saiba que sempre te amarei...

Essas palavras fluíram da boca de Rosalinda com ares de despedida e quase lívidas, sem nenhuma esperança.

De fato, depois de ver que Armando estava bem equilibrado no parapeito, voltou para abrir a porta, mas antes que pudesse fazê-lo a fechadura escancarou-se de um chute desferido por Marcos.

Armando tentava ouvir o mínimo que fosse pela abertura da janela, mas era um esforço vão; o vento abafava todo e qualquer som vindo de dentro do aposento.

Lá dentro, o marido traído e a mulher apaixonada se viam frente a frente. Uma discussão, pedidos de desculpa, gritos implorando pela vida, o barulho seco do tiro, e mais outro...

Os disparos cortaram o rugido do vento; Armando desesperou-se e entrou no quarto às pressas, imaginando o pior. Bem imaginado. A visão era torturante; no chão, ao lado da cama, o corpo de Marcos jazia numa poça de sangue, mas isso não era nada para Armando se comparado à cena que estava prestes a ver. Sobre a cama, onde antes dois corpos quentes e loucos por desejo habitavam, agora havia um só corpo sem vestígios de vida, porém não perdera sua eterna beleza.

Armando pôs-se a apoiar sobre seus braços aquele corpo que tanto amou, tanto beijou, tanto amou, tanto amou. Pôs-se também à disposição das lágrimas que inundaram sua face, intumescendo seus olhos.

Foi um inesgotável pranto, nunca imaginara sofrer tanto.

Carlos E S Dantas
Enviado por Carlos E S Dantas em 15/04/2007
Reeditado em 11/03/2008
Código do texto: T450739