Renascimento é um conto infantil que nos fala do ciclo da água, personalizado numa gotinha de água - Chiquinha - que gosta de dormir sobre as pétalas das flores e não gosta do sol, pois sabe que o calor a fará evaporar e a levará para outras paragens. A gotinha de água tem medo dessa viagem, apesar de saber que reencontrará milhões de irmãzinhas suas que, como ela, também se transformarão em chuva e darão vida às flores e de beber a todos os vivos.


Para a minha sobrinha Francisca, no dia do seu aniversário. 
Parabéns minha querida!


 

 
RENASCIMENTO

Chiquinha é uma gotinha de água redondinha e transparente. Passou a noite dormindo na maciez da pétala mais viçosa da primeira flor que desabrochou na campina aos primeiros raios de sol, ainda tímidos, da primavera.
Estava quase na hora de despertar. Chiquinha gostava de acordar com o chilrear dos pássaros, mas não gostava do sol. Sabia que o calor transformaria o seu descanso e a sua vida. Não que tivesse medo dessa transformação, mas sentia-se bem ali, segura e aconchegada pelo aveludado da pétala. Na última viagem que fez descobriu que sofria de vertigens e não lhe apetecia nada viajar ao sabor do vento. Ainda bem que o sol estava envergonhado naquela primeira manhã de primavera.
Acordou e esticou os pequenos e frágeis braços. Como era bom acordar e sentir o perfume das flores campestres! Deixou-se cair sobre a relva macia e inspirou profundamente o aroma floral que a rodeava. Sentiu-se perfumada por dentro e por fora. Não ouvia mais a passarada. Naquele momento apenas escutava a voz do silêncio. Que dizia ele? Tudo e nada. Veio contar-lhe ao ouvido uma história. Era silenciosa, a história do silêncio. Entendia agora porque se haviam calado as aves: para deixar falar o silêncio. E como era maravilhoso o som da voz que ao seu ouvido ternamente sussurrava! Lá no fundo, amava-o. Amava aquele som que todos insistiam calar.
As nuvens começaram a ficar escuras e passeavam, pesadas,  no céu. Amava também as nuvens e o que elas carregavam: suas irmãzinhas que depressa viriam fazer-lhe companhia. Com elas bailaria sobre o verde macio da relva, festejando o renascer da vida. Enquanto não chegavam, o silêncio da campina continuava contando a sua linda história... Sentia a sua voz sussurrar palavras distintas. Sim, sentia. Sentia, também, que essa mesma voz a guiaria até às nuvens, quando o sol resolvesse fazê-la evaporar. Companheiro e guardião ancestral, o silêncio estaria sempre com a gotinha de água, festejando o renascer da vida.
Quando terminou de contar a história, o silêncio falou entre sorrisos: «Agora estás pronta para partir, Chiquinha. A magia do renascimento  é tua. Em ti cabem a terra, o céu e o mar. Vai e volta, saberás onde me encontrar.»
A gotinha de água respondeu: «E eu sou tua na magia do renascer, porque sempre te pertenci!»
Os dois envolveram-se num terno abraço, enquanto milhões de gotinhas de água começaram a cair e rodopiavam e saltitavam alegres sobre as flores da campina. Chiquinha aplaudiu, fascinada, aquele maravilhoso espetáculo e juntou-se ao grupo das pequenas e diáfanas bailarinas.

01/10/2013
Ana Flor do  Lácio


 
Ana Flor do Lácio
Enviado por Ana Flor do Lácio em 01/10/2013
Reeditado em 14/10/2013
Código do texto: T4505876
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