Inferno Invertido.

Estou apavorada, não consigo descer as escadas, por isso estou dentro banheiro, sentada sobre o vaso sanitário, as minhas mãos ainda tremem. Há dias estou doente, tomando medicamentos fortes, que me deixam sonolenta , causam palpitações , calafrios, não ajudam muito na febre, então tomo outros analgésicos combinados. Estou trancada no banheiro tentando acender meu Free, mas ainda não consigo raciocinar como deveria, já que não passou de um pesadelo...

Eu estava em uma padaria comendo um pedaço de torta, decidi levar um pedaço para minha filha, peguei um prato de isopor, coloquei um pedaço e lembrando do meu filho, decidi pegar outro pedaço, fiz da mesma forma, peguei o prato de isopor, coloquei o pedaço de torta, mas achei muito fino, havia apenas um pedaço de massa sem recheio. Precisava encontrar alguém para me ajudar e procurei em volta, o ambiente de balcões brancos com uma faixa metálica no centro, cortando de fora a fora todos os balcões. Minha visão começou a ficar turva , muito turva e eu pensei vou desmaiar, meu coração começou a acelerar e senti como se meu peito fosse de fato explodir, pedi socorro já entendida no chão: _ Estou morrendo! E tentei soltar um grito, mas sabia que era um grito mentalmente produzido . _ Socorroooooooo!!!! Fiquei ali e tudo se apagou como um flash e eu percebi que eu corpo estava sobre uma maca de metal , circulando por um enorme corredor, tentava com a visão ainda turvada, ver alguma coisa, mas as luzes passavam rapidamente em meio a uma neblina densa, até que finalmente me atravessaram uma porta, também de metal, que imediatamente se fechou. Não tentei abri-la, apenas fiquei ali parada, segurando uma blusa branca, já de pé, um pouco adiante havia uma construção , comecei a caminhar, até chegar á um túnel, avistei uma rampa, muito parecida com as rampas do metro, em formato de "Z", comecei a subir, eu via o céu, mas meus passos eram lentos e eu sentia muito medo. De repente apareceu , como que do nada, um rapaz alto, forte, de camiseta vermelha e blusão preto e eu gritei: Moço! Moço! Me ajuda! _ Me apertei a ele segurando em sua mão enorme, ele deu mais alguns passos sem olhar para mim e quando finalmente me olhou, percebi que lhe faltava metade do seu rosto e parte que lhe sobrará estava carcomida, uma ferida exposta, me assustei e ele finalmente me olhou e respondeu: _Não posso ajudar você!.

Nesse momento outros homens e mulheres começaram a subir e a descer a rampa, caminhavam lentamente e eu podia observar que muitos deles não tinham partes dos seus membros, soltei a mão do rapaz e muito mais apavorada do que antes, eu tentava correr, mas não conseguia, todos caminhavam lentamente e eu também. O ambiente não tinha nenhum cheiro, nenhum vento, tudo era muito lento. Vi entre muitos um outro homem de meia idade, observei e vendo que não havia feridas nele, me aproximei e novamente pedi ajuda,que me respondeu sem parar, com a voz calma, os mesmos olhos aflitos de toda aquela multidão e me disse: _ Aqui só quem pode te ajudar é o advogado, ele está por perto. Encostei-me na parede de concreto cinza com muito medo, olhei para o céu , vi que o céu azul marinho e nele apenas uma visão parecida com a visão que temos por satélite de uma cidade, dividida em blocos como é a o planeta terra, porém muito mais aproximada. Era uma visão aflitiva, pontos brancos se movimentavam como uma infestação de vermes, não conseguia mais olhar para o céu e tive certeza que eu estava morta, e que ali onde eu estava era o inferno, conclui, que o inferno estava invertido, agarrei-me a blusa branca, tentando de alguma forma me proteger daquela visão atemorizante e me dizia o tempo todo: _ Eu morri, estou morta! essas pessoas estão mortas ... As lágrimas não caiam, mas sentia meu corpo trêmulo, procurava em mim batimentos cardíacos, respiração e não encontrava nada, nenhuma prova de que eu estivesse de fato viva. Foi quando um homem se aproximou de mim, com o olhar de tarado, se encostou em mim, se movimentava lânguido, falando quase na minha bochecha: _ Eu sou o advogado, eu posso te ajudar gracinha.

Ele ria zombando do meu desespero,_Você pode me ajudar? Disse quase sem voz tirando a blusa do rosto e encarando aquele homem de terno bege, camisa branca, dentes e olhos grandes, um cabelo castanho e liso,penteado de lado e vi então que lhe faltava parte do seu abdômen, logo abaixo das costelas do lado esquerdo. Ele ficava todo o tempo tentando alcançar meu seio, com a mesma cara de pervertido, eu me esquivava, ele se apoiou em meu ombro e ficava tentando de todas as formas, me tocar, soltando risos ameaçadores, muito baixo e com as mãos sujas, passava nos dentes enormes,não havia respiração e nem cheiro nele e depois de muito resistir, comecei a pensar que eu realmente estava morta. Se acaso eu não estivesse morta, o sonho estaria demorando demais, um pânico terrível foi me tomando e comecei com muito esforço, pois minha voz já não saia, a dizer rapidamente_ Meu Deus, meu Deus, eu morri dormindo, porque eu estou nesse lugar? E em um choro meio reprimido, me protegendo das mãos desse homem que começaram a me puxar pelo ombro, acordei ouvindo a voz do meu marido: _ Acorda você está tendo um pesadelo.

O meu corpo não conseguia reagir, eu não sabia se estava viva ou morta, na cama, apenas a sensação de imobilidade, eu não conseguia ainda sentir meu coração batendo, tão pouco movimentar as pernas . De repente o alarme da bateria do meu celular cortou o silêncio de tal forma que soltei um grito, me fazendo voltar a realidade. Levantei, me olhei no espelho, o cabelo desgranhado, o pijama molhado de suor, mas meu olhar ainda é igual ao olhar de todos que apareciam na rampa de concreto, o medo ainda é incontrolável. Enquanto escrevo reconheço o "advogado", era ninguém menos que o JFK , com aquele terno claro que usava em passeios. Sim, era ele! Ainda sinto o corpo cansado, e suado, a sensação que tenho é que de fato eu estou morta, desço as escadas, e no final da escada a costumeira confusão com o interruptores de luz me parecem dizer que estou viva, mas todos os sons se agigantam na cozinha, o do fogo onde eu esquento leite, o som do relógio, do freezer, passos na casa ao lado. A cadela me percebe e arranha a porta com as unhas afiadas, enquanto eu me agora espero que o leite esfrie e eu possa comer algo, meu estomago dói , minha nuca dói, menos os meus pés, agora eles não doem mais, eu tomo o leite acompanhado de um pão murcho com margarina e me preparo para refazer o mesmo caminho, atravessar o corredor que saindo da cozinha, passa pelo escritório, pelo lavado, onde tenho que apagar as luzes, e seguir pela sala de dois ambientes escura até a escadaria de mármore, onde mais uma vez tenho que apagar as luzes, subi-las e seguir até o meu quarto. Mas ainda me sinto perturbada, embora eu já não sinta fome, nem tantas dores, ainda fico procurando meus batimentos cardíacos.... agora são 5:50 da manhã.

Cristhina Rangel.

Breve: O fato é que todo o relato é real, mas não consegui defini-lo em uma outra categoria.

Cristhina Rangel
Enviado por Cristhina Rangel em 29/09/2013
Código do texto: T4504046
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