O olhar dos Sóis
O clima estava ameno, embora a qualidade do ar não fosse fiel ao ambiente como outrora fora. As borboletas do parque destilavam a coreografia de sua dança natural com a elegância que só esses lindos animais podem ter. Nenhum outro é provido de tanta sabedoria e transborda tanta alegria pela vida como a simples e frágil borboleta. De longe ele observava o crepúsculo da tarde, e imaginava tardes iguais a estas na companhia de quem amou um dia... Contemplar aquele espetáculo da natureza sem a presença dela, era como ver alguém feliz sem poder se alegrar com aquilo. Tão paradoxal e tão sem sentido lógico, que por um instante ele chegou a duvidar de que estava realmente vendo a maravilha que o sol nos mostra ao se pôr. Estaria ele absorto em devaneios? Nos últimos tempos isso tinha se tornado cada vez mais frequente...
A falta que ela lhe fazia era real, não era devaneio. Mas aquele brilho do sol... Será o brilho daquele olhar? Ele não sabe responder. Fica assim jogado à contemplar o que ele quer crer que seja o sol, pois mesmo com toda a força da lembrança que lhe trazia o astro, não era tão doloroso quanto ver aquele olhar. Mas porque buscar esse olhar? Porquê querer sofrer tanto assim? Já não sofreu o suficiente? Não, claro que não. Seu coração ansiava pelo sofrimento, queria busca-la em todos os lugares possíveis. Na padaria ao amanhecer via o formato de sua silhueta nas bordas dos pães, no açougue o sorriso da atendente parecia ser plágio do dela, no trabalho uma frase qualquer, pronunciada por alguém, o fez lembrar seu timbre de voz. O que fazer se ela o persegue em todos os lugares? Não persegue. Só sua lembrança... Antes fosse ela mesmo. Mas como assim? Não, não. Ela só o faz sofrer... Porque buscar o sofrimento e alimentá-lo com essa angústia em seu peito. Antes isso à sucumbir a essa dor de não tê-la. O espírito está confuso, ele precisa fugir antes que seja tarde. Seu coração o traiu, como fazem todos os corações que amam; Traem. Essa traição é insuportável, as dores da mente, a alma ferida que sangra a cada batida do peito. A vida com ela é uma tortura, sem ela não é vida...
Está tudo perdido, ela o destruiu de dentro pra fora...
Uma dose!
Não há melhor curativo para uma ferida da alma que um pouco de uísque. No seu caso dada a proporção da ferida e a gravidade do ferimento, um pouco vai ser pouco. Não se pode mais ver agora a dor, não se pode mais cheirá-la, nem apalpá-la, mas com o torpor da bebida ela se torna mais evidente e intensa! Embriagado e ainda sentindo no peito a flecha da desilusão, não se contenta em apenas observar o sol. Ele o quer pegar. O quer sentir. Talvez se ele abraçasse o sol essa dor que queima seu peito parrasse de queimar... Olha direito, será mesmo o sol? Mas como? agora são dois sóis. A embriaguez lhe dominou por completo. Ainda sim esse fenômeno de cores rasgando o céu fica lindo sob a visão alcoólica. Ele quer sentir o sol, desprender-se desse corpo, que só lhe causa dor, parar de pensar nela, que só lhe causa dor... Sair desta vida que se tornou insuportável. Ele reflete, o quão lhe permite o álcool que corre em suas veias, e toma a decisão. Não quer mais pensar nela... Quer parar de viver... Toma mais um gole do uísque barato, e contempla pela última vez o sol, que agora são dois, e enxerga naquelas duas bolas de fogo gigantes o olhar que antes tanto lhe fez bem, e que agora lhe causa tanto mal... Com uma bala no ouvido despede-se da dor... Está acabado. Não sente mais dor. Não sente coisa alguma. Não passa de um bêbado suicida... De testemunha da sua partida, só aqueles olhos no horizonte a derramar-lhe no corpo sem vida, uma luz. Uma luz que a nenhum outro derramaria se não à ele.