A dança

Era uma noite fria e clara. Aquele céu nostálgico com algumas nuvens revelava alguma coisa. Olhava-o, em silêncio, lembrando-se que buscava sempre o Cruzeiro do Sul ao dirigir seus olhos ao firmamento. O vento fazia as árvores balançarem, ecoando um suave ruído, que remetia às noites do litoral. Soava um tanto comum esta noite, nada de novo, qualquer pessoa poderia poetizar (ou tentar) este dia, mas não se importara muito. Apenas estava ali, observando e lembrando, observando e lembrando...

De súbito, veio a vontade de dançar. Gostava de brincar ao som de uma melodia inexistente, a qual apenas em sua mente ressoava, quando era criança. Não conhecia, até então, as dores da vida, sua covardia, sua maldade. Nem a solidão. Ali, naquele momento compartilhado com o vento, entoou novamente as canções da infância, onde tudo se misturou; não se sabia mais o que era o mundo, o vento, ou a dança raivosa que executava com desespero. Misturou-se também o passado, o presente e o futuro. O tempo não passa de uma dimensão, de um espaço, como uma sala; apenas não o enxergamos assim.

Mais e mais coisas nesse rodopio nefasto vieram, a mistura tornou-se eterna. O que era a vida? O amanhecer? E as trevas da noite? O que era aquilo? O que era ser? "O que era você?". De simples questionamentos sobre uma alma confusa surgiram perguntas, as quais não se têm respostas, não se têm uma simples indicação, direção, qualquer luz, por assim dizer, que seja.

Aos poucos, foi parando. Parando. Parando... O cansaço viera; aquela dança era uma luta contra o mundo, contra tudo. Aos poucos, a mistura fora se perdendo e tudo voltara a ser o que era. Menos ela. Toda sua vida passara em sua mente, desde o momento em que notara que possuía memória. Agora, quem se misturava era ela. Em cores, em fatos. Do translúcido ao rubro, do rubro ao negro. E ali ficou.

Deitou-se. Já não via mais o mundo. Via a si, ali. Quieta, como a princípio estava. Sem saber o que aconteceu, o que sentia, o que era. Parou. E ali ficou.

Nada, absolutamente nada mudou. A noite continuava a mesma, de céu claro com algumas nuvens, fria e nostálgica. E tudo voltara a ser o que era...