Cigana Esmeralda
A lua cheia e alaranjada se mostra imponente, em grande destaque, no céu limpido e repleto de estrelas.
A fogueira crepita sob o luar, com sua luz e calor dissipando a negritude imposta pela noite.
Ao seu redor, o solo batido e avermelhado se mostra vivo. Pulsando conforme o rítmo das melodias tocadas com tanto gosto; e vibrando conforme as batidas dos pés daqueles que estão a dançar em seu círculo.
O vinho tinto e suave circula como água corrente em meio àquele povo que admira a liberdade e expressividade. Ajudando a reverberar o clima de alegria contagiante entre todos alí presentes.
Não há crianças no local.
Os Ciganos estão vestidos em belas túnicas coloridas. Alguns com bandanas e outros com chapeus; mas ninguém com a cabeça descoberta. Não naquela noite tão especial.
Um cigano se destaca em meio aos outros. Sentado de pernas cruzadas em um lindo tapete cuidadosamente desenhado com pontos cabalisticos, que representam a sua força perante seu clã, está o jovem Hiago. Trajado em sua túnica vermelha e uma faixa dourada amarrada em sua cintura. A bandana vermelha dá destaque ao brinco de ouro ao lado direito do seu rosto, sempre sorridente.
Em seu pescoço pende uma corrente de ouro e um pingente feito do jaspe vermelho em pedra bruta, herdado de seu pai. Os anéis dourados em seus dedos dão destaque à pele morena e quase dourada do Cigano.
Ao seu redor, muitas almofadas e cestas de frutas variadas estão ao seu dispor.
Todos estão em grande festa e o reverenciam enquanto dançam, bebem e fumam suas cigarrilhas feitas com folhas e ervas especiais para o evento.
O Cigano se levanta de seus acomodos e, sem pestanejar, bate suas mãos. A música parou e todos os membros do clã o encararam, respeitosos e esperançosos pelo que viria a seguir.
Com seus pés descalsos, caminhou em direção à fogueira.
Neste momento, precisava estar em contato com os elementos que o rege. Sentiu a terra macia se moldando aos seus pés; o calor da fogueira a esquentar a fronte; o vento suave que começara a soprar no momento em que se levantou; e seu saboroso vinho, símbolo de seu povo.
Ajoelhou diante ao fogo, fechou os olhos e se pôs a cantar em sua língua ancestral:
- Kseroi ni pesi naisi Knerela esi te nori Kdiseni Ksi ai le delerai oi. Bel-Karrano. (A paz para o seu espírito, a saúde, a harmonia têm de vir de dentro de você. Deus céu).
Após proferidas as palavras, todos ajoelharam e também começaram a entoar a canção num ritmo quase ritualístico.
Neste momento uma Cigana anciã, a mais velha em seu Clã, passou por todos com um violino cor de mogno e o entregou respeitosamente. Ele entendeu o ensejo, percebendo que chegara a grande hora.
O clã inteiro continuou a cantar enquanto Hiago iniciava a bela melodia com seu violino, as notas sairam em tom doce de se ouvir e no perfeito rítmo do Gypsy.
As palavras entoadas pelo Clã ganhavam força como um mantra à medida em que o cigano manejava o instrumento; abraçando o ambiente em grandiosa e elevada vibração.
No apse da melodia, uma linda cigana adentrou a roda, despertando os olhares de todos os presentes.
Esmeralda!
Vestida em um lindo corpete branco cravejado em pedras verdes, torneando seus seios e justo à sua cintura; esbanja beleza e sensualidade. Sua saia rodada e esvoaçante dá um toque de liberdade ao seu semblante. Em seu peito, um colar de ouro adornado com pequenas esmeraldas realça o verde dos seus olhos, fazendo jus ao nome da bela Cigana.
Ela caminhou em direção ao Cigano, parou em sua frente, o cumprimentou com o olhar e um meio sorriso. O cumprimento foi retribuído com um acenar de cabeça e, então, a melodia e o coro de vozes sessaram.
Todos se levantaram e ficaram na expectativa do que viria a seguir.
Lentamente, Hiago e Esmeralda levantaram suas mãos direitas de modo a ficarem na altura de suas faces; então as palmas se tocaram, seus olhares se cruzaram e os dois, passo a passo, começaram a caminhar em círculo; tendo como vértice o encontro dos seus olhares.
Neste momento, outros cinco ciganos tomaram a frente, iniciando nova melodia com seus violinos e flautas. A música começou leve e vagarosa; mas logo acelerou o rítmo, tomando um tom alegre e dançante.
Com suas mãos em contato, o jovem casal cigano seguiu em sua dança, com a sensualidade e magia inerentes de seu povo.
Todos acompanhavam o ritmo com o bater de suas palmas, alegres no vislumbre do espetáculo em volta da fogueira. A medida em que continuavam a dançar e aumentavam os passos, o ambiente foi se envolvendo em intensa vibração e a magia presente ganhou força, envolvendo o casal.
O vento que antes soprava suavemente, ganhara força na mesma proporção em que a melodia se agitara. O fogo foi crescendo e se alastrando em calor e beleza. Suas chamas agora eram verdes e davam iluminação magnífica à grande roda formada pelo Clã, refletindo nas pedras verdes do corpete e no colar da bela Esmeralda.
As estrelas cintilavam com mais força, pulsantes como em resposta ao magnífico acontecimento. A lua estava mais alaranjada e parecia maior do que antes, como se curiosa àquele povo e seus rituais místicos.
Conforme dançavam, Hiago continuava a entonar o mantra anterior com a força de sua voz e sentimentos, moldado ao rítmo da melodia.
O corpo de Esmeralda, tomado em transe, respondia em rítmo exuberante e perfeito, seguindo e rodopiando em torno do fogaréu verde.
Aos poucos, Hiago foi emanando uma linda aura vermelha, pulsante e envolvente; se mesclando aos tons verdes da fogueira.
Da mesma forma, Esmeralda foi engrandecendo sua aura verdejante e já não sabia distingui-la entre as chamas da fogueira, que crepitavam com ardor.
Todos os membros do Clã estavam agora, maltados pelo espetáculo de cores e manuseio maestral dos elementos da natureza. Pássaros e outros animais próximos à caravana se aproximaram atraídos pelo calor e beleza, observando com curiosidade instintiva.
O vinho continuava a correr pelas bocas insaciáveis e alegres daquele povo.
Depois de muito tempo em meio à exaltação, o sol começara a nascer; e o ritual de iniciação espiritual da Cigana Esmeralda teve sua primeira etapa terminada.
Todos felizes, então, se recolheram em suas cabanas para o descanso de seus corpos. Mas as chamas da fogueira continuaram verdes, e assim seria até a proxima noite pois a festa ainda não terminara.