O DESTINO DE BIANCA

Tereza trabalhava no Serviço de Orientação Educacional (SOE) de uma escola particular em Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro. Ela gostava do que fazia porque, como o colégio era pequeno, era possível dar uma atenção diferenciada a cada educando. Dentre todas as suas funções, Tereza tinha predileção por duas. A primeira, mais geral, era buscar soluções para dificuldades de aprendizagem ou para desajustes comportamentais que algum estudante pudesse ter. E a segunda, mais específica, era acompanhar a adaptação dos alunos novos. Como Tereza já estava nessa função há anos, ela pensou já ter visto de tudo. No entanto, ela se esqueceu de que a vida é cheia de surpresas.

Após prestar concurso, uma menina, vinda de São Paulo, chamada Bianca, foi matriculada na 5a série / 6o ano. Suas provas tinham sido excelentes, e ela estava bastante entusiasmada com o início das aulas. Simpática e bem falante, ela não teve nenhum contratempo para fazer novas amizades. Além disso, sua atitude em sala agradou seus professores já que gostava de participar das aulas, e seus comentários e perguntas eram pertinentes.

Seu primeiro semestre transcorreu sem problemas, mas, em final de setembro, Bianca faltou três dias consecutivos. Quando Tereza foi informada de que a menina estivera ausente na quinta-feira também, ela achou aquilo bem estranho. Desde que Bianca tinha começado a estudar ali, ela nunca havia faltado ou chegado atrasada a nenhuma aula quanto mais estar ausente por quatro dias. Ao ligar para a casa da estudante, Tereza ficou sabendo, pela empregada, que a menina encontrava-se na casa da avó materna. Tereza pediu o telefone de lá, e ligou imediatamente. A avó de Bianca atendeu ao telefone, e explicou que a garota estava muito gripada e de cama, e que provavelmente faltaria por mais alguns dias.

Na semana seguinte, Bianca voltou à escola. Na hora do recreio, os professores estavam lanchando quando Tereza apareceu. Ela queria saber notícias da aluna. Vera, a professora de português, achou que Bianca estava muito calada, triste até, mas talvez ela ainda estivesse se recuperando da gripe.

Na última aula do dia, o inspetor Jaime veio entregar um bilhete do SOE para Bianca. Ela deveria dar uma passadinha por lá antes de ir para casa.

Tereza já havia conversado, outras vezes, com Bianca. A menina, espontaneamente, havia procurado por ela para contar alguma coisa: sobre uma apresentação de sapateado, um cartaz bem feito, etc. Nessas visitas, sempre estava sorridente e falava pelos cotovelos. Dessa vez, entretanto, Bianca não disse nada, apenas limitou-se a responder as perguntas com monossílabos. Tereza achou aquela atitude bem esquisita. Ela resolveu, então, ser mais objetiva para ver qual seria a reação da aluna.

- Bianca, o que está havendo com você? Não estou entendendo esse seu comportamento. Você é sempre tão comunicativa, mas hoje está diferente.

- Não há nada, professora.

- Tem certeza?

Bianca balançou a cabeça, dizendo que sim.

- OK, querida. Eu só quero que você saiba que estou aqui para ajudar. O dia que você quiser, se quiser, venha conversar comigo. Está certo?

Tereza notou que suas palavras tiveram algum efeito sobre Bianca. Então, teve uma ideia. Ela iria usar do bom e velho chocolate para conseguir enternecer a menina. Bianca aceitou a guloseima. Enquanto a garota comia em silêncio, parecendo considerar a hipótese de se abrir ou não, Tereza lia algo no computador. Após engolir o último pedaço do bombom, Bianca resolveu falar.

- Professora, os meus pais estão se separando.

- Sinto muito, Bianca. Infelizmente isso é comum hoje em dia. Eu sei como é. É uma fase bem difícil para todos, tanto para o casal quanto para os filhos.

- Não, professora! É muito mais do que “difícil”! Você não está entendendo.

- Sei que é um grande sofrimento para você, ver o fim do casamento de seus pais, porém isso não muda o amor que eles sentem por você.

- Aí está o problema. Quem disse que existe amor da parte deles? Eles não me amam.

- É lógico que seus pais a amam, Bianca. De onde você tirou essa ideia?

- Na semana passada houve uma audiência com o juiz para decidir com quem eu iria morar. Sabe o que aconteceu?

- Não. – disse Tereza, já apreensiva.

- Todos os dois se recusaram a ficar comigo. Cada um apresentou uma justificativa. Minha mãe disse que estaria sem tempo de cuidar de mim por conta do doutorado, que começará a fazer em outubro. O meu pai falou que foi promovido, e que agora terá que fazer muitas viagens internacionais. Sendo assim, o juiz determinou que eu irei morar com minha avó Silvia - mãe da minha mãe.

- Sinto muito, Bianca. Mas como é que você sabe exatamente o que aconteceu na sala do juiz?

- Naquele dia, eu iria ter a resposta sobre quem teria a minha guarda. Nenhum dos dois tinha me dito nada até então, e eu estava bem curiosa. Na verdade, para mim tanto fazia se ficasse com minha mãe ou com meu pai, mas eu só queria saber. Quando eles chegaram, vieram conversar comigo. Eu perguntei, e eles repetiram o que haviam dito para o juiz.

Tereza ficou em silêncio por um momento. Não sabia exatamente o que poderia dizer. Bianca, então, aproveitou a deixa, e falou:

- Professora, você vai me desculpar, mas tenho que ir agora. A empregada da minha avó já deve estar preocupada porque o sinal já tocou faz uns quinze minutos, mas eu não apareci ainda. Nós conversamos outra hora. Tchau.

Tereza mal teve tempo de dizer “Tchau”, e Bianca já havia se levantado, e saído.

- Meu Deus, que pais são esses que rejeitam a própria filha? Ainda por cima, uma menina de apenas doze anos! - disse Tereza, pensando alto.

Tereza sentia pena da garota, afinal, era tão nova e já tinha que aprender a lidar com um senhor problema. Bianca já devia ter chorado tanto que agora podia falar sobre o assunto sem verter uma lágrima sequer, porém sua fisionomia dizia tudo: sentia-se abandonada!

Com o passar das horas, Tereza foi se lembrando da trajetória de Bianca na escola. Agora, algumas coisas começavam a fazer sentido. A princípio, ela não entendia bem porque Bianca fazia questão de ir até o SOE para contar ou mostrar algo, afinal, ela parecia ter pais tão responsáveis e presentes. Como as aparências enganam! Ao final da tarde, Tereza estava esgotada. A impressão que tinha é que suas forças haviam sido sugadas, mas ela não se dava por vencida. Amanhã estaria mais relaxada, e então saberia que caminho trilhar para ajudar Bianca.

Beth Rangel
Enviado por Beth Rangel em 19/09/2013
Reeditado em 15/10/2013
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