Noite de tormenta
A menina, prematura, exigia seus cuidados. Esperou por ela no hospital, ansiosa por voltar ao apartamento, seu chão, seu canto. O marido, ocupado. Não podia acompanhá-la o suficiente. Enfim, havia a irmã, com sua dedicação, o encantamento com a primeira sobrinha. Pareceu-lhe um sonho quando o médico liberou a filha, dizendo-lhe que podiam ir embora. Em casa, encontrou tudo arrumado.
- Que bom, Maria! Está tudo em ordem.
A empregada sorriu, inclinando a cabeça. Queria alguma coisa?
- Mais tarde me traz um café. Vou me recostar um pouco.
Aproveitou o sono da pequena para atirar-se na cama. Extenuada, mas contente por retornar. Do outro lado da janela, uma árvore sacudia os seus ramos. Adormeceu embalada pelo vento, que inflava as cortinas do quarto.
Os primeiros dias foram difíceis. O nenê absorvia o seu tempo. Acordava-se já cansada. O marido, aparentando ciúmes de sua relação com a filha. Teria desejado que ambos compartilhassem mais aquela fase, mas ele não se mostrava inteiramente disponível. Procurava não reclamar. Sem forças para reagir. Com o tempo, talvez se dissipassem algumas nuvens que carregavam o ambiente. Quando a menina crescesse um pouco, os dois reencontrariam, com certeza, a antiga privacidade.
A irmã fazia-se presente:
- Vai dar uma volta. Eu fico com a Claudinha.
- Não tenho ânimo para sair. Queria era dormir, muito, muito.
- Muito bem. Eu te chamo na hora de mamar.
E ela aproveitava o oferecimento. Aos poucos, recuperava as forças. Como se tudo fosse se encaixando tal como deveria ser. Faltava apenas resgatar os elos com o marido. Certo ruído prejudicava a comunicação entre ambos. Não sabia bem o que era. Mero reflexo da situação, quem sabe. Às vezes, jurava que ele ia falar, abrir o jogo. Alarme falso. Os olhares continuavam toldados; as palavras, ocas.
A sexta-feira amanheceu chuvosa e fria. Maria demorou a aparecer. Não se importou muito, aproveitou para voltar para a cama, depois dos cuidados com a pequena. Apenas pressentiu a saída do marido. Cochilou e sonhou, algo um tanto confuso que não conseguiu reconstituir depois que a campainha a acordou. Maria chegou empapada.
- Troca de roupa. Vais pegar um bom resfriado.
- Nem se preocupe. Estou muito bem.
A empregada enviesou para a cozinha. Ar um tanto estranho, um quê de petulância no tom de voz. Dentes escancaradamente brancos que se destacavam no rosto azeitona. Gostava de cantarolar, baixinho, enquanto preparava o almoço. Se nem sempre dava conta das tarefas, com a menina era jeitosa. Melhor transigir um pouco, cada um com seu modo de ser.
Na hora da saída, Maria surgiu em seu quarto. Bem produzida, parecia outra pessoa.
- Preciso falar com a senhora.
- Podes falar.
A despeito do tom despreocupado da resposta, tremeu nas bases. Vinha algo pela frente.
- Hoje é o meu último dia. Arrumei outra coisa. Se a senhora quiser, minha prima pode vir conversar com a senhora amanhã mesmo. Ela está interessada...
Maria desandou a falar. Já não a ouvia mais. Claudinha tão acostumada com ela, ia-se embora. Sem dó, sem piedade. Ainda tentou uma proposta:
- Podemos pensar em um aumento, quem sabe.
A outra não quis conversar. Havia cansado do serviço, era tudo. Levou-a até a porta.
- A senhora me desculpe.
Teve a impressão de que a empregada desejava dizer mais alguma coisa, como que hesitava. Foi então que a filha chorou. Correu a atendê-la.
Quando a irmã apareceu, depois das aulas, estava fazendo a menina dormir.
- E o Zé?
- Ainda não veio. Está atrasado.
Fez sinal de que precisava de silêncio. A irmã circulou pelo apartamento. Ao passar pela cozinha, não pôde deixar de lembrar-se da cena que presenciara num dia em que tinha vindo direto do hospital, para buscar algumas roupas. Não fora exatamente uma cena explícita, mas insinuava muita coisa. Como estaria o relacionamento entre o casal?
Depois que Claudinha dormiu, sentaram-se no sofá da sala. A irmã pegou sua mão:
- Está tudo bem com o Zé?
- Por que perguntas?
Não era dada a confidências. A outra insistiu:
- Podes me contar. Fica entre nós.
- As coisas não andam lá muito bem. Mas, tu estás me intrigando. Parece que sabes alguma coisa. Acho que és tu que estás guardando algum segredo.
Olhos nos olhos, as duas se estudaram. O toque do telefone interrompeu-as. Comentou:
- O Zé teve um problema com um cliente. Disse que não o espere. Primeiro, a Maria, agora, ele.
A irmã levantou-se:
- Vamos dar uma olhada no quarto?
- Como assim?
- Quero tirar uma dúvida.
No guarda-roupa do marido, gavetas desfalcadas. Pôde, então, compreender. Naquele instante, uma trovoada estremeceu o apartamento. Uma trovoada que ficaria para sempre em sua memória.