Mestre Gil 3ª e última parte

Quatro dias depois, os habitantes de Tânger, aterrados com a notícia da fulminante vitória dos Portugueses, abandonaram a praça apressadamente para não sofrerem a mesma sorte.

D. Afonso V enviou lá o Marquês de Montemor, com numerosas tropas, que achando a cidade quase deserta a ocupou sem um tiro. Essa fatídica praça, que tanto sangue e tantas lágrimas haviam custado aos Portugueses, caiu assim inesperadamente em poder de Afonso V.

Foi lá em plena mesquita que o meu Senhor foi armado cavaleiro, junto ao corpo do Conde de Marialva. Tendo El-Rei dito: Deus vos faça tão bom cavaleiro como este que aqui jaz.

- Mas qual o motivo de tão grande apreço pelo senhor D. João II? - Perguntou Álvaro.

- Conforme vos contei, para além de me ter salvado de morrer afogado, deu-me a honra de o acompanhar nos combates na tomada de Arzila, como se eu fosse escudeiro. Pude ver a força do seu carácter, opondo-se com firmeza aos nobres que tentavam impedir que eu os acompanhasse. Aí vi a energia com que se batia, granjeando a admiração de El-Rei assim como toda a nobreza. Vi também a raiva contida com grande esforço, perante a ignóbil atitude do ataque, enquanto el-rei seu pai se dirigia ao encontro dos parlamentários. Nem depois da vitória se viu o Príncipe regozijar, antes se via um ar preocupado, como se perdesse a batalha. Deixando alguns nobres pensativos, perante a personalidade do Príncipe e tinham razão como mais tarde verificaram, quando D. João foi rei.

Mais tarde acompanhei o meu senhor na Batalha de Toro, em socorro ao pai. Onde recuperamos da debandada das tropas de D. Afonso V, derrotadas e perseguidas por Fernando de Aragão. As forças do meu Príncipe onde eu me encontrava, mercê do meu senhor, derrotaram e forçaram o inimigo a refugiar-se em Zamora. Ao que parece portei-me bem nessa batalha, pelo que o meu senhor me colocou ao seu serviço, até à hora da sua morte.

Os dias que se seguiram deram renovadas forças a mestre Gil, descansando Álvaro quanto à sua ausência para Santarém, para proporcionar os cuidados no parto da Ana, que ali carecia.

Vendo que o seu pai já dava longos passeios na margem do Tejo, embora apoiado por um cajado e renitente em acompanha-lo. Falou com o mestre Teles para que o visitasse todos os dias e lhe pusesse à disposição a dona Felismina, uma criada em que o seu pai confiava e já o servira em ausências anteriores. Tomados estes cuidados, rumou Álvaro mais descansado, para a quinta de Santarém.

D. João de Meneses regressou de Castela, após a morte de D. João II e com D. Manuel I como rei, recebeu tudo o que D.João lhe tirara e acrescentando-lhe mais mercês.

Um dia num dos seus passeios, mestre Gil dá de caras com D. João de Meneses, acompanhado de dois dos seus criados, com as montadas pela rédea passeavam junto ao local onde o Príncipe caíra para não mais se levantar. Ao vê-los, o rosto do mestre Gil transfigurou-se e a eles se dirigiu.

- Senhor! Viestes recordar o vosso crime? Sim, foi aí mesmo que vós o matastes e depois fugiste para a protecção de quem vos encomendou o serviço.

- Calai-vos velho tonto. – Respondeu um dos criados, entrepondo se entre mestre Gil e D. João de Meneses.

- Não, não me calo agora que estou frente a frente com o assassino do meu senhor D. Afonso. Maldito mil vezes maldito, maldito sejais para todo o sempre. – Gritava mestre Gil, brandindo o cajado.

- Sois um louco, por menos do que isso matei quem me difamava. Mas vós não passeis de um velho e não quero antecipar-me à morte que de vós se avizinha.

Um dos criados empurrou mestre Gil que caiu, enquanto D. João montava, logo seguido pelos criados. A poucos metros à frente D. João estacou a montada e virando-se para um criado disse.

- Antes que a peste se alastre, acabai com ela.

Mestre Gil ainda mal se tinha levantado quando recebeu duas punhaladas no peito. Com os olhos velados ainda assim, olhou para o assassínio que nem se voltou para trás. Tombou ali mesmo a poucos metros do local onde caíra o filho do seu senhor, el-rei D. João II.

Socorrido por uns pescadores, é assistido por mestre Teles, que mais não pode fazer do que tentar a todo o custo mantê-lo vivo até à chegada de Álvaro.

Louco de dor, Álvaro encontra o seu pai deitado no humilde catre de pescador. Inconsciente, o desenlace previa-se para breve. Só uma grande força de vontade o mantinha agarrado à vida, num esforço titânico para se despedir do filho.

- Meu pai! - Soluçou Álvaro, agarrando-lhe as mãos.

Com voz sumida, num último esforço sem no entanto abrir os olhos mestre Gil balbuciou. – Não choreis…morro onde quis, no catre do meu senhor D. Afonso, quan..ta… hon.. r..a.

Álvaro sentiu o estremecimento do último sopro de vida de seu pai e tombando a cabeça sobre o peito, chorou baixinho abraçado ao corpo amigo que lhe deu o ser e em silêncio jurou que o maldito assassino as haveria de pagar.

Passado luto pelo pai, Álvaro mandou queimar a cabana de pescador onde exalaram o último suspiro, o príncipe D. Afonso e Mestre Gil. Horas antes uma figura enigmática, a caminho de Castela tinha-lhe comunicado que o seu pai estava vingado, os dois criados sucumbiram numa emboscada feita por salteadores. Tendo D. João de Meneses escapado por uma unha negra.

Lorde
Enviado por Lorde em 12/09/2013
Código do texto: T4478123
Classificação de conteúdo: seguro