Abandono...
Naquele pequeno lugarejo, houve inicio de revolta dos fieis quando a celebração marcada para as 8h00 daquela gélida manhã de inverno, que de forma contumaz, britanicamente, de há muito se iniciava religiosamente no horário!
Instalado nos últimos bancos da igreja, Joalcir de Jesus Filho era um dos mais indignados. Vociferava ‘aos quatro ventos’ que se tratava de um tremendo desrespeito com todos os presentes o atraso injustificado e que, pelo menos para ele, tratava-se de algo inédito. Nunca nem ouvira falar que um Padre se atrasasse para rezar uma missa!
Bem que Clotilde, sua comedida esposa, tentava dissuadir Joci, como carinhosamente o tratava, de seus repentes de indisfarçável descontentamento. Porém, tinha insucesso total em sua empreitada e o jovem senhor prosseguia em suas reclamações, que não fazia questão alguma que fosse ouvida por aqueles que ocupavam lugares nos bancos da igreja, pelas cercanias de onde se alojava!
Nem a subida ao altar de um jovem casal da comunidade que explicou que o celebrante havia tido um motivo de força maior, tendo de ausentar-se da celebração e que tentariam suprir a ausência realizando um culto religioso, obviamente sem cumprir as passagens próprias ao celebrante, como sacramentar a hóstia sagrada, proferir as palavras da sagrada escritura ou transmitir a homilia, acalmaram o inconformado Joalcir!
Enquanto o jovem casal esforçava-se para suprir com eficiência quase plena a ausência do Padre Aldo, Joacir resmungava e agitava-se ao lado de uma ‘envergonhada’ esposa.
Aos poucos, alguns outros enveredaram pela mesma seara do reclamante e concordavam com que o ineditismo da situação não havia sido de total atendimento ao que se espera das atitudes religiosas.
No entanto, para alivio e satisfação do casal ‘celebrante’ e da maioria das pessoas presentes, estava sendo desenvolvido a contento o culto improvisado!
Com Joalcir, agora agitando de forma ostensiva, o culto foi encerrado com uma oração de agradecimento ao seu bom desenvolvimento quando adentrou, sem ostentar roupas de celebração, vestido como um cidadão comum (o que afinal, um celebrante religioso também é...), o Padre Aldo!
De forma bastante tranquila, como era de seu feitio, o Padre aproximou-se do altar subindo os poucos degraus que o levaram para junto do casal de celebrantes. Abraçou o jovem e a jovem proferindo algumas palavras inaudíveis para aqueles que se encontravam, agora mantendo sepulcral silêncio, nos bancos da igreja.
Demonstrando certo cansaço e trazendo no rosto visível emoção, o Padre, agora de forma totalmente audível a todos, começou a falar:
--- Prezados irmãos! Quero desculpar-me perante todos pela minha
forçada ausência. Sinto-me feliz por ter tido a primazia de ter
minha ausência suprida pelo diligente casal de jovens comigo aqui
presente e, acredito fazendo coro com todos vocês, de agradecer
pelo brilhante trabalho evangélico que realizaram! Sei que minha
justificativa não apagará a revolta de alguns que acreditam que
perderam o seu tempo deslocando-se até aqui e não encontrando
o celebrante!
No entanto, o motivo de minha forçada ausência deveu-se ao fato
de, como parte de minha missão por aqui, atender ao chamado de
um asilo de anciões que necessitava de minha presença para
proceder uma extrema unção em um internado que Nosso Criador
chamou para junto de si!
Já de há algum tempo tenho comparecido ao asilo, onde pude
acompanhar todo o sofrimento do pobre moribundo que vivia
constantemente implorando pela presença de um seu filho amado
que de há muito não via. Não poderia me furtar em comparecer ao
adeus carnal que realizou o sofrido senhor, que em seus últimos
momentos, em sussurro quase inaudível e com os olhos
marejados, confundindo-me com seu amado filho, sentenciou:
“Que bom que você veio, Joalcir! Parto feliz indo ao encontro de
Nosso Deus salvador!”.
Com estas últimas palavras, o senhor Joalcir de Jesus, com
semblante denotando serenidade e felicidade expirou!
O silêncio sepulcral foi quebrado por fortes soluços que partiram dos últimos bancos da igreja...