"reencontro ou acerto de contas"
Contarei uma história que aconteceu há muito tempo atrás, com um vaqueiro que sem destino, viajou por muitas montanhas e vales... Percorreu dia após dia, fazendas e cidades pelo caminho afora. Nas noites frias, debaixo de árvores, pensava no seu grande amor que deixara para trás. As estrelas lhe faziam companhia silenciosamente; só reluziam...
O que se sabe é que trabalhava para um fazendeiro muito rico que tinha uma filha muito bonita, a qual, apaixonou e viveu um grande amor. O pai descobriu... Ameaçou a filha de enviá-la para um colégio de freiras; ele, o patrão despensou seus serviços, prometendo matá-lo caso voltasse. Para seu amor não fosse penalizada, resolveu riscar no mundo. Partindo pela manhã bem cedo, montado no seu cavalo alazão, a passos lentos... O coração ameaçava saltar do peito... Olhos lacrimejavam... No cume do morro, para, olha para trás e vê lá embaixo seu amor; acenando tristemente. Nada a fazer, somente acena; lembrando rapidamente das maçãs do seu rosto roseadas. Vira-se para a estrada e risca as esporas afiadas nos vazios do animal.
Anos se passaram...
Já estabelecido em um rancho que comprara – pequeno na verdade – mas aconchegante; vivia ali sozinho e sempre relembrava daquele grande amor do passado. Além do trabalho no rancho; os vizinhos o procuravam quando necessitavam de um vaqueiro para a lida com o gado, pois era muito hábil.
Certa vez, um desses vizinhos, fazendeiro muito rico, procurou-o. Um médico veterinário fora contratado para vacinar o rebanho; dessa forma, precisava de um auxiliar. Combinaram o dia e na data acordada, antes de clarear, lá estava o vaqueiro – homem responsável e de palavra – sentado na porteira do curral, segurando as rédeas do seu cavalo.
Ao acordar e avistando-o na porteira, lhe convida a entrar... Tomaram café juntos e aguardaram o médico veterinário – porque aquela altura estava atrasado – no mínimo, errou a entrada de acesso à fazenda. Minutos depois, depois de refazer o trajeto, encontrou a entrada. Daí pouco tempo, o médico veterinário chegou à sede e convidado foi para tomar um café fresco bem mineiro, antes de ir para a lida.
E assim aconteceu...
O fazendeiro apresentou o médico veterinário ao vaqueiro, dizendo ser o melhor da região. Elogio que o deixou muito orgulhoso. Cumprimentaram-se e aguardou o comando do veterinário para tocar a boiada para o curral. Ao receber a ordem, foi em busca do gado.
Ao chegar, foi aos poucos pondo no curral. Direcionando com calma para o tronco, sem alardes, sem barulho, para a vacinação; já que ferraram todo rebanho anteriormente.
Transcorria tudo bem...
O veterinário, rapaz novo, corajoso e muito educado – de uma certa estirpe – resolve resolve entrar no curral, admirando o potencial daquilo tudo e aguardando a chegada do último lote para finalizar seu trabalho de vacinação.
Aboiando, vem o vaqueiro trazendo os bois mais erados – velhos. Um boi mais brabo, partiu na frente do rebanho, chegando ao curral rapidamente e inesperadamente: entra e depara com o veterinário do meio do curral; sem ação e sem defesa; olha para um lado e para outro, procurando fuga... É tarde: O boi bufando e babando, parte furioso na sua direção... ( um boizão zulego, mocotó grosso, costelas bem arqueadas, pesado mesmo ), abaixa a cabeça e vem na sua direção, batendo no peito do rapaz jogando-o no chão, desmaiando-o. Passa por cima dele e quando se preparava para o ataque final – apanhá-lo pelos batoques de chifres – o vaqueiro vendo aquela “bagaceira“, deixa o rebanho de lado e vem em disparada para o curral e entra berrando para o boi para chamar sua atenção. O boi furioso, cavucava o solo, querendo ir para cima do rapaz caído ao solo. Vendo que não estava dando certo sua incursão, o vaqueiro sentindo o perigo que o rapaz estava correndo, parte para cima do boi zulego em disparada no seu cavalo...
O boi de cabeça baixa, bufando e babando, só sentiu a pancada do cavalo na testa e pescoço; vindo a cair ao solo... Desequilibrado, mas ainda em cima do cavalo, o vaqueiro se apruma; momento em que o boi de pé, agora mais furioso ainda, querendo ir à forra... O vaqueiro, rapidamente pega um ferrão que estava encostado na porteira e parte na sua direção espetando-o nas ventas – narinas. O boi sente o golpe e desiste do ataque ao veterinário; partindo em direção do rebanho no piquete ao lado do curral.
Do lado de fora, o fazendeiro, sua família e funcionários, preocupados, assistiam tudo e correram para o curral em socorro ao rapaz estendido no chão.
O vaqueiro pula do cavalo e vai até ao doutor desacordado, sem respiração... Começa a fazer massagem nele, pois aprendera quando trabalhou há um tempo atrás para um médico. Nesse instante, entra correndo no curral o pessoal que assistiu sem poder fazer nada. O vaqueiro, ofegante e apresentando um começo de cansaço, continuava a massagem, sem parar... Até que o rapaz volta e começa a respirar...
Dizendo graças a Deus, o vaqueiro levanta-se, pega as rédeas do seu cavalo verificando o local da pancada. A esposa do fazendeiro, já trazia um copo com água e os demais, diziam: “o vaqueiro salvou a vida do doutor duas vezes. Se não fosse ele o doutor veterinário tinha morrido”!
Atordoado, o veterinário apoiado por um funcionário, levanta-se, passa a mão no rosto e levam-o para a sede da fazenda.
O vaqueiro assume e o último lote é vacinado por ele, soltando-os na manga lá do espigão; o “zulegão” também.
Assim que terminou o serviço, foi até a sede ver o rapaz que ainda estava atordoado. Depois de visita-lo, o vaqueiro sempre caladão, despede-se de todos dizendo: “fala com o patrão que depois agente ajeita e se precisar, é só chamar” e parte para seu rancho. E como o veterinário não estava muito bem, dormiu na fazenda e no dia seguinte o fazendeiro levou-o até a cidade mais próxima para atendimento no hospital; sendo cuidado imediatamente.
Dias depois, fora chamado à fazenda do vizinho, onde acontecera o acidente... Ao chegar, deparou com o veterinário ainda recuperando; no pátio, por sua iniciativa solicitou sua presença ao fazendeiro para agradecer a ação heroica por duas vezes. Ao apear – descer – do cavalo, o veterinário agradeceu muito por salvar sua vida e solicitou que conhecesse sua família que acompanhava-o.
Lá dentro, os familiares do veterinário tomavam café com os proprietários da fazenda e aguardavam o herói.
Um funcionário entrou na varanda da casa e de lá anunciou a chegada do vaqueiro. Levantaram-se e foram conhecer aquele que salvou a vida daquele filho amado. Na varanda, o vaqueiro estava conversando com o veterinário: chapéu na cabeça, mãos para trás, voz baixa e tom humilde...
Ao ser apresentado pelo rapaz à família, a mãe notou que conhecia aquele homem... e perguntou: “você não é...” Ele, impressionado com a coincidência, abaixa a cabeça e vem na sua mente aqueles momentos lindos atrás. A mulher, atordoada só dizia: “muito obrigada, você salvou meu filho”!
Nesse instante, aproxima do vaqueiro um senhor idoso, cabelos brancos, “ricão”; estende a mão ao vaqueiro dizendo: ”Oh Senhor! Estou muito agradecido pelo que fez pelo meu neto. Muito obrigado e estende a mão na sua direção”!
O vaqueiro por instante, pensa em não pegar na mão daquele que fora seu carrasco há anos quando mandou que fosse embora de sua fazenda; nem mesmo pagando-lhe pelo tempo trabalhado. Agora, se vê ali mão estendida, agradecendo... Não dava para acreditar! Repensou e pegou na sua mão.
A mãe olhava-o ternamente, deveria passar também pela sua cabeça aqueles encontros apaixonados vividos por eles e hoje seu amor de tempos, ali, frente-a-frente... Quanta emoção!
Seu pai não reconheceu o vaqueiro; melhor assim, pois estava muito velho para enfrentar tamanha surpresa.
Depois dos agradecimentos, os fazendeiros, convidaram o veterinário e a família para o almoço exclusivamente preparado para eles; convidando também o vaqueiro, que de pronto aceitou. Não se sabe se foi pelo “rango” de primeira ou para ficar mais um tempo perto do antigo amor que aceitou.
Depois do almoço, o vaqueiro levanta-se, agradece e pede licença para se ausentar; dizendo estar cheio de serviço em casa. O que foi aceito pelo fazendeiro que o acompanha até a porta. De lá da varanda, ainda dá tempo para olhar aquela que fora seu grande amor e hoje, uma pessoa comum e que talvez nunca mais iria vê-la novamente.
O veterinário aproveita para agradecer mais uma vez e o vaqueiro montando seu cavalo, agora castanho, parte a passo como fizera há muito tempo atrás.
Chegando ao rancho, dá um banho no “castanho” e solta-o no piquete ao lado da casa. Entra em casa, recosta na cadeira de balanço pensando nela e adormece...
NOTA: O heroico vaqueiro viveu nesse rancho por muito tempo e convivendo com as lembranças. Pouco tempo, o veterinário ficara sabendo do romance da mãe com o vaqueiro e foi procura-lo, feliz pela história dos dois, mas infelizmente o vaqueiro havia falecido naquele ano. Contando a sua mãe que até hoje fica chorosa ao lembrar da história.