SEM CHEIRO DE GOL

Comprou um saco de pipocas na entrada do estádio, mesmo sabendo que durante o calor da partida não conseguiria comer aquilo. O jogo prometia ser tenso ante o risco de rebaixamento que o clube corria. Mesmo pequena a torcida era barulhenta; apoiava os jogadores, a diretoria, a comissão técnica, enfim, acreditava. Nem que fosse num milagre. Sentou-se no lugar costumeiro da arquibancada. Dali ele e a sorte sorririam um para o outro e a fortuna havia de agraciar seu clube era o que sempre pensava. Bateu no escudo da surrada camisa já com o autógrafo desbotado que conseguira do ex-atacante Sicupira, um daqueles nomes que não se veem mais no futebol de hoje em dia. Se ele estivesse em campo, talvez nem precisasse dos rituais. Mas vá lá, águas passadas. Ajeitou-se o mais que pode. Times perfilados, hino tocado e apito do árbitro. Jogo começado. Que aquele treinador não se acovardasse agora. O jogo era em casa. Gritou solitário: “prá cima deles, porra!” o outro time bem postado, defesa firme e um volante que sabia desarmar. Também, empate fora de casa não era um resultado para se desprezar.

Pediu aos outros torcedores que gritassem e incentivassem. Normalmente pacato, ali, naquela arquibancada ele era outro; um alguém disposto à guerra, se preciso. Procurou por outros torcedores que, como ele, eram fiéis freqüentadores daquelas arquibancadas. Juntaram-se, como sempre, naquele trecho. Todos pensavam que ali, juntos, tensos e barulhentos eram como xamãs comandando os destinos do time em campo. Pernas balançavam nervosas. Olhares enviesados em direção ao banco de reservas. Xingamentos dirigidos ao árbitro e bandeirinhas. Nada diferente de qualquer arquibancada de qualquer estádio. Queria fumar, mas uma maldita lei o impedia de acender o companheiro de aflições.

Ajustou o radinho na única emissora que transmitia as partidas do time, aumentou volume e colocou o fone no ouvido esquerdo. Desceu rapidamente para a área abaixo das arquibancadas, afastada o suficiente dos raros policiais que não iriam até ali atormentá-lo. Deu uma tragada profunda e baforou a fumaça reparadora no ar. Um uhhh vindo da arquibancada foi a resposta para a bola mandada nas nuvens pelo limitado atacante de cabelo espetado.

Um gato miando se aproximou. Ele ofereceu ao felino uma pipoca e acariciou-o no dorso. Apanhou o bichano e segurou-o entre os braços. Lá da cabine modesta o locutor vociferou com entusiasmo no seu fone que o adversário descia perigosamente. Não confiava no miolo de zaga e menos ainda naquele volante escalado de última hora. Devia ser peixada de algum diretor. Malditos cartolas. Em desespero, correu em direção ao quadro que havia ali perto. Abriu às pressas e repleto de aflição a portinhola de metal. Dócil, o gato nem reagiu quando foi atirado na caixa de força do estádio. Sua boca tragou o cigarro e por um instante a única luz vista por ali foi aquela.

Cleo Ferreira
Enviado por Cleo Ferreira em 04/09/2013
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