Conto De Um Menino de Rua

Luto

Uma enfermeira apagou a luz da sala de cirurgia. Não era de praxe deixar uma sala fora de funcionamento, mas naquele dia o médico havia dado a ordem.

- Sala 5, fechada para luto!

Um paciente há algumas horas havia saído dali sem vida. Não era qualquer um, era muito importante, especialmente para todos do hospital.

O médico

O hospital no centro da cidade funcionava a todo vapor. Era o mais movimentado e muito bem conceituado. Alguns dos melhores médicos do Brasil trabalhavam ali. Doutor Sung era um deles.

Muito metódico o doutor chegava pontualmente às seis da manhã todos os dias, exceto terças ,e antes de descer do seu belo carro vestia seu avental irritantemente branco e conferia no porta-trecos se ali havia algumas moedas, (quase sempre havia). E se realmente houvesse ele se dirigia até a entrada da Rua Las Vegas, onde sempre, fizesse chuva ou sol, encontrava o pequeno Brian, o engraxate.

O engraxate

Brian era órfão de mãe, mas se considerava órfão de pai também, já que para não apanhar e ser explorado pelo bêbado, ele fugiu da cidade de interior onde moravam e foi viver na capital sozinho, com apenas oito anos.

Dai, começou a deixar de ser criança, pois não existe idade para ser criança e nem para deixar de ser. Toda pessoa que é capaz de sonhar e acreditar em seus sonhos é criança e, por outro lado, quem não pode mais sonhar e nem perder tempo em acreditar nas ilusões da vida, como é o caso de Brian, criança não pode ser mais e, por tanto, torna-se qualquer outra coisa; um adulto ou um velho ou até mesmo um bicho. E para Brian a terceira opção conjuminava mais, ele agia como um cão farejando comida dentro de lixo, como um macaco roubando bolsas de velhinhas e como uma raposa pregando peças em pessoas de bem, passando-se por aleijado para comover a esmola. Mas um dia Brian, que carregava um coração bondoso, como uma joia escondida dentro de um pedaço grande de pedra resolveu procurar outro meio de sobrevivência menos baixo. Ele conheceu uns meninos que engraxavam sapatos na porta da Câmara dos Vereadores e gostou daquela ocupação. Um certo dia ele tinha escutado que " trabalhar edifica o homem" e sempre teve a curiosidade de saber se isso era mesmo verdade. Pois então, foi descobrir na prática.

Com algumas economias da ocupação anterior de ladrão ele conseguiu comprar graxa , escova e um caixote, (esse ultimo negociou com outro menino). Muito esperto ele nem cogitou a ideia de trabalhar na porta da câmara como os outros meninos por dois motivos, havia muita concorrência e já ouvira falar que políticos são perigosos. Por essa razão escolheu a porta do hospital.

Foi assim que Brian conheceu o doutor Sung e outros membros daquele hospital; engraxando seus sapatos. Ele tinha tanto jeito para coisa que começou a ser indicado para um e para outro até que hospital inteiro ia lá dá um trato na "botina" com ele. E por consequência disso, o menino nunca mais roubou. ganhava seu dinheirinho honesto, que dava para comer e para pagar uma espécie de aluguel em um prédio abandonado tomado por moradores de rua. "Tudo tem preço, até o que não é de ninguém". Disse um daqueles mendigos.

Enquanto no hospital amizade de todos aumentava a cada dia, ele era o engraxate, o confidente e o ajudante: - Brian carrega essa maleta pra mim. Um médico pedia e lhe dava um trocado por isso. - Brian, me ajuda com o pneu do meu carro que furou, uma enfermeira requisitava por mais outro trocado.

Doutor Sung era o que mais gostava dele,isso porque certa vez o medico pensou em se suicidar depois de uma traição que sofreu da mulher e um golpe financeiro que levou de seu próprio irmão. Brian que não sabia de nada disso, lhe disse:

- Doutor, por pior que minha vida é, morrer só me tiraria a oportunidade de poder melhorá-la. Eu gosto de viver e às vezes um simples sorriso de uma enfermeira, ou um "obrigado" de um médico já é um grande incentivo pra mim, simples engraxate, continuar. Se eu posso conquistar isso, posso conquistar tudo.

Dia de Chuva

Naquela manhã chuvosa Sung chegou no mesmo horário de todos os dias, pontualmente às seis da manhã e como todos os dias vestiu seu avental, colocou umas moedas no bolso e foi para a saída da Rua Las Vegas para engraxar seus sapatos, mas diferente de todos os dias Brian não estava lá. O médico de plantão da madrugada o alertou.

- Nosso pequeno engraxate não está lá fora.

- Não? Como não?

- Hoje ele não conseguiu acordar.

E os olhos do Doutor Dias encheu-se de lágrimas.

- Tentei salvá-lo, mas o tiro foi bem no córtex cerebral.

Doutor Sung desolado se agachou no chão.

- Quem fez essa desumanidade?

- Estão dizendo que foi o pai dele.

O doutor foi até a sala 5 onde seu colega de profissão tentou salvar o pequeno Brian e disse a uma enfermeira.

- Sala 5, fechada para luto.

FIM

Guilherme Sodré
Enviado por Guilherme Sodré em 03/09/2013
Reeditado em 03/09/2013
Código do texto: T4464210
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