Uma cidade de manequins.
Levantou uma pedra redonda à esquerda do portão e tirou um molho de chaves que ali estava como havia combinado com a tia por telefone e logo foi recebida com entusiasmo e euforia pela cadela Sofia e pelos gatos Sinistro e Canhoto que vieram logo atrás.
Helena chegara em Abaité, cidadezinha interiorana e ficaria na casa da tia que se ausentava em uma viagem.Ela estava de férias da faculdade, então não teria problemas em ficar ali durante sete dias, na casa que a tia comprara há cerca de um mês, para fugir do aluguel da periferia.
A cadela Sofia salta sobre a moça. Com as patas sujas de terra, em extrema alegria.Os gatos miam e se roçam em sua perna.
Ela entra na casa e percebe barulho de televisão ligada.Acredita então que a tia tivera algum contratempo, mas não telefonara.
-Boa tarde tia. Cheguei! - E ninguém responde.
-''A tia deve ter esquecido a televisão ligada'' - conclui a sobrinha e entra com a mala, sendo acompanhada da cadela Sofia que, arfante se mostrava em prontidão.
Ao passar pelo corredor estreito que dava acesso à sala ela vê uma pessoa sentada na poltrona, de costas para quem entrava. ''Estranho, a tia não falou que outra pessoa viria aqui cuidar dos bichos.'' - Pensou, roendo a unha de nervosismo.
- Olá! Sou a sobrinha da dona Adélia!- Saudou, e o sujeito não respondeu.Ela olha para Sofia, que arfante vai até o meio da sala,como quem quer mostrar que estava tudo seguro ali.E algumas coisas se passaram na cabeça de Helena aquele instante, inclusive a possibilidade de alguém ter esticado as canelas ali naquela poltrona.
Ao se aproximar lentamente da figura,que portava um boné surrado, tinha um cabelo estranhamente acaju e usava óculos escuros, ela percebe se tratar apenas de um manequim de loja todo paramentado.
Na cozinha encontra um bilhete na geladeira com os seguintes dizeres:
'' Olá querida sobrinha, espero que tenha feito uma boa viagem. Alimente os pets duas vezes ao dia, pela manhã e final da tarde. Tem mantimentos na despensa e geladeira. Na sala deixei um boneco, pois é costume na cidade e pode espantar ladrões.
Espero que goste de Abaité, que é uma cidade pequena, porém acolhedora.
Abraços, tia Adelinha.''
Helena ajeita suas roupas no armário, esquenta uma sopa toma um banho e vai dormir, escutando o barulho dos grilos.
Dia seguinte, se levanta, dá de comer aos pets, troca de roupa e resolve dar uma volta pela cidade. -''Poxa , mas que cidade pequena. Andando aqui em um dia eu atravesso tudo e chego na cidade vizinha.''- Pensa.
Chega na praça, caminha olhando algumas vitrines, lojas vazias. Passa em frente a um bar e em uma esquina avista um pequeno restaurante, resolve entrar para almoçar.Está perto do meio dia,ela entra. O lugar estava vazio e havia uma mesa ocupada por uma família, mas uma família de manequins.
Ela para, boquiaberta. Olha cada detalhe dos manequins, a ''mulher'' estava de peruca chanel, calça jeans, sandália e até uma bolsinha a tiracolo. O ''homem'' estava de camiseta, colete, óculos, peruca, relógio e tênis. E os manequins infantis também, um ''menino'' vestido de azul e boné, e a ''menina'' de vestido amarelo e chiquinhas na peruca.
O rapaz do restaurante veio prontamente, deu-lhe as boas vindas e ofereceu o cardápio.
- O que é isto nessa mesa? Todos esses manequins?
- Estão de enfeite. Na verdade eles chamam a atenção dos fregueses, de pessoas que passam por essa cidade para chegar à cidade vizinha, aqui não vem muita gente e o restaurante está sempre vazio.- Disse o rapaz que era bonito e olhava para Helena com um sorriso estranho nos lábios. Algo desconfiado talvez, ou talvez algo que não se percebia de imediato se passasse em sua mente.
- Entendi. Mas que é estranho é!A minha tia fez a mesma coisa na casa dela, disse que é para afastar ladrões. Pelo jeito por aqui, os manequins tem inúmeras utilidades, atrair fregueses, consumidores, afastar ladrões...
- Sim, entre outras coisas! Existe uma fábrica na cidade, compramos deles por um precinho mais em conta.E você, o que veio fazer aqui nessa cidade fantasma? De fim de mundo.
- Estou na casa da minha tia. Vim alimentar os gatos e a cachorra dela, a Sofia.
- Claro, conheço sua tia, ela disse que ia viajar e que viria uma sobrinha muito bonita passar uns dias aqui. - Disse o rapaz, com ares de quem sabia realmente quem ela era e o que fazia ali.
- Sim sou eu. Muito prazer me chamo Helena!
- Muito prazer me chamo Alberto.- E ele apertou sua mão com forte convicção, soltando rapidamente em seguida e cruzando os braços nas costas. Ele tinha um olhar frio e penetrante. O que deixou Helena um tanto quanto vulnerável.
Helena escolheu um prato e Alberto foi preparar,era também o cozinheiro e caixa do estabelecimento solitário.Houve muito entrosamento entre os dois, Alberto era jovem,bonito e também muito articulado. Tinha muitas cartas na manga, falava sobre assuntos diversos, como vinhos, filmes e literatura, falava bem demais para alguém que nunca saíra de uma cidade pequena como aquela.
Helena não entendia o que ainda prendia o rapaz àquela cidade vazia, sem perspectivas de trabalho e desenvolvimento.
- O que te prende aqui? - perguntou animada, deslizando os dedos nos cabelos.
- Não sei dizer, meus irmãos foram embora, meus pais morreram, mas eu fiquei aqui, tenho a casa e o restaurante. A casa fica em cima do restaurante.Não lucro muita coisa com o restaurante, mas não preciso de muito, me considero feliz assim!- Disse o rapaz encerrando o assunto. Ele deu a entender que apesar de ser articulado e falador, não gostava que tocassem em sua intimidade.
- Entendo , perfeito! Tenho que ir, vou estudar uns livros da faculdade essa tarde.- Disse Helena, embaraçada.
- Foi um prazer te conhecer. Vou abrir essa noite . Se quiser venha jantar, tomar um vinho. É minha convidada especial.- Disse sorrindo um sorriso perfeito.
- Obrigada pelo convite. Vou pensar!- Ela sai e pensa em voltar sem hesitação, tinha achado ele um cara esquisito mas muito charmoso.
E à noite ela coloca um vestido bem bonito, vermelho, depois de dar comida aos bichos sai portão afora, anda dois quarteirões e chega no restaurante. Encontra o restaurante com a porta aberta, ela entra, observa velas nas mesas, inclusive na mesa da ''família'' de manequins. Alberto entra pela porta da cozinha, com uma garrafa de vinho na mão. Elegante e sorridente.
- Que bom que você veio, Helena. Sente-se, fiz espaguete ao sugo, com manjericão, espero que goste!
- Gosto sim.Que boa surpresa!
Alberto abre o vinho, faz o ritual de deixar que Helena prove e serve a pasta.Ficam conversando a noite toda e dado momento ele segura sua mão. Sedutor, sugere levá-la para cima do restaurante, onde ele morava. E ela aceita sem a menor resistência.
Ele acendeu algumas velas e beberam mais vinho.A noite se passou em clima de romance. Helena estava curtindo muito, totalmente entregue àquele desconhecido sedutor de uma cidade pequena.Fizeram amor no sofá da sala.E a noite se passou dessa forma.
Na manhã seguinte raios de sol entravam pela janela da sala e Helena acordou sentindo um gosto ruim na boca, acordara de ressaca. Se cobre com um lençol e vai catando as roupas jogadas pelos cantos da sala, com muita dor de cabeça procura por Alberto. Olha no relógio são 8: 30 m da manhã. O rapaz não estava lá! -''Deve ter acordado antes para fazer o café da manhã!'' - pensa, então ela vai até o quarto e percebe alguém dormindo embaixo de um lençol, ela se deita ao lado e quando levanta o lençol se depara com um manequim de mulher, com peruca e tudo. Ela dá um grito e se afasta da cama, com o coração a mil.
- Mas que absurdo! Diz aos berros.-''Isso também já é demais, está sendo demais pra mim, já deu, vou embora.Que cidade de gente maluca!''- Pensa, enquanto olha a cena do quarto, boquiaberta!
Começa então a se vestir rapidamente quando sem querer empurra com o cotovelo a porta do guarda-roupas que estava semi aberta, e um montante de braços, pernas, torsos e cabeças de manequins caem por cima dela. Causando um estrondo e ela grita, e grita apavorada.
O rapaz aparece, vestido com roupas de cozinheiro.
- O que está acontecendo?- Diz ele, calmo.
- Como assim o que está acontecendo? Eu vim te procurar nesse quarto e ao invés de te encontrar na cama, encontro um manequim de peruca! Então eu resolvo colocar minhas roupas para ir embora desse lugar e a vitrine da ''C&A'' cai por cima da minha cabeça. Fora isso não aconteceu nada!Olha me dá licença!- Diz empurrando Alberto e tentando colocar a roupa.
-Eu vou embora, você é maluco demais pra minha cabeça!
E sai porta afora gritando e terminando de colocar os brincos, sai apenas com um dos sapatos na mão, sem paciência para procurar pelo outro sapato.
- Que lugar de gente louca!Assim que minha tia chegar eu me mando, e não volto mais aqui. - Esbravejou.
Saindo do restaurante ela dá de cara com outro manequim, um manequim de cozinheira na porta, que dava boas vindas aos fregueses do restaurante. Dá um último grito de indignação e sai pela rua. com a meia calça furada, mancando e calçando um só sapato, chutando com o pé calçado o que via pela frente.
Um transeunte passa olhando e ela diz:
- Você é gente de verdade ou é um manequim? Tenha um bom dia, porque o meu está péssimo!
Dentro do seu estabelecimento Alberto começa a arrumar a bagunça no quarto. E em alguns instantes ele desce as escadas para o restaurante, segurando um manequim nos braços.
Um manequim com vestido vermelho, calçando um dos sapatos que Helena deixara pra trás e com uma peruca loira muito parecida com os cabelos de Helena.
Ele a coloca sentada na mesa, na mesma posição em que ela esteve na noite anterior. Acende uma vela e com uma garrafa de vinho na mão ele diz:
- Que bom que você veio, Helena. Sente-se, fiz espaguete ao sugo com manjericão, espero que goste!