O MATO DO BUSQUE
 
     O Mato do Busque, era na verdade uma densa floresta que emoldurava um lado inteirinho de uma cidade pequena chamada de Tuparendi. A cidade de mais ou menos dez mil habitantes era formada por duas avenidas principais que formavam um t maiúsculo: A Avenida Tucunduva e a Avenida Mauá. No traço superior do t maiúsculo acompanhava em toda a sua extensão a floresta, chamada pelos moradores de Mato do Busque.
     O mato do Busque era o centro das atenções e assunto das rodas de conversa todos os dias. Onde havia pessoas contando casos, sempre havia alguém confabulando sobre os mistérios do Mato do Busque.
     As crianças tinham medo e fascinação pelo tal mato. Os mais antigos contavam histórias de fantasmas, de clarões faiscantes e barulhos estranhos vindos daquela floresta.
     À noite, todos evitavam passar perto do Mato, já que ouviam histórias de pessoas que desapareceram misteriosamente perto do local e nunca mais foram encontradas.
     A cidade avançava, a população crescia; prédios, escolas e casas iam sendo construídos e, cada avanço comia um pedaço do Mato. Construíram a prefeitura, uma escola, abriram ruas, tudo sem fiscalização, as árvores iam sendo derrubadas sem escrúpulos! Naquela época não existiam órgãos reguladores ou fiscalizadores do meio ambiente e o poder público se achava no direito de explorar a floresta, uma vez que seus verdadeiros donos não pagavam há anos os impostos devidos e ninguém sabia o paradeiro dos herdeiros.
     Todos sabiam que a área pertenceu a uma família chama Busque, ninguém sabia a origem deles, de onde vieram para onde foram.
Na época de noventa começou um movimento dos moradores para acabar com a devastação da floresta e com receio de represália, o poder público freou um pouco a devastação, porém viam-se pessoas extraindo lenha, retirando plantas tais como samambaias, avencas e bromélias para adornarem suas casas.
                Particularmente eu tinha uma admiração, uma fascinação pelo mato. E sonhava todas as noites que ouvia uma voz me chamando, a voz vinha do interior da floresta. Eu acordava sobressaltada e suada.
Inúmeras vezes eu organizava expedições de exploração ao mato junto com meus amigos e, munidos de lanternas, facões, facas, paus, máquina fotográfica e todos os tipos de artefatos imagináveis e inimagináveis, saíamos decididos a enfrentar tal aventura!
     Mas as expedições sempre acabavam em correria frenética rumo à saída, bastava um barulhinho de graveto quebrado e um sair correndo para que todos se apressassem aos gritos até verem o clarão da rua.
 
     As expedições eram sempre frustrantes. Mas não desistíamos e tentávamos outra vez.
     As histórias sobre a família Busque eram tão horripilantes e isso causava na gurizada um tremendo frenesi, uma curiosidade exagerada. Havia grupos que faziam mapas imaginários para encontrarem um baú de ouro e joias raras que os moradores afirmavam que lá havia.
     Outros moradores contavam que na lua cheia viam por cima das árvores uma mulher vestida de branco com os braços levantados para o alto que fazia gestos para atrair as pessoas para o interior da densa mata.
Os sonhos com o mato me impediam de estudar e tocar minha vida para frente. Eu estava presa no mistério! Dentro de mim uma vozinha convidava-me a descobrir os segredos da floresta.
Uma noite, acordei e não consegui mais dormir. Ouvi nitidamente a voz de uma mulher que falava ao meu ouvido:” Venha! Preciso de você! Não tenha medo! Vou lhe proteger, venhaaaaa...”
     Nem pensei muito, num impulso descontrolável, levantei da cama, calcei minhas botas, peguei a lanterna de meu pai e um pedaço de pau e entrei na floresta por uma picada existente. Era o lugar que inúmeras vezes entramos na tentativa fajuta de ir mais além.
     Sem pensar em perigos, monstros ou fantasmas, entrei cada vez mais para dentro como se estivesse sendo guiada por algo mais forte do que meu medo.
Caminhei muito quilômetros adentro, perdi a noção de tempo, de espaço, de perigo!
     De repente comecei a vislumbrar uma luz que fazia um círculo. Era uma luz colorida, azul, branca, violeta, rosa, verde, vermelha... Meus olhos embaçaram devido a tanta luminosidade. Sem perceber deixei a lanterna cair. Não precisaria mais dela!
     Coloquei a mão sobre meus olhos para tentar enxergar através da luz. Com muita dificuldade enxerguei dentro do círculo iluminado uma mulher, um carro preto e uma casa da madeira bem velha. A mulher estava vestida de branco e era quase transparente, somente os olhos eram bem nítidos, pois brilhavam como diamantes na escuridão. O carro preto parecia novinho em folha, acho que nunca havia sido usado, não entendo de carros, mas pareceu-me ser modelo 70 e alguma coisa, era bem grande, parecia um Rabo de Peixe! As janelas da casa nem vidros possuíam mais! Estava quase caída, suas paredes amparavam-se nas árvores que cresceram ao redor e dentro dela.
     Estranhamente eu não sentia medo, apenas um frio que percorria minha espinha e me fazia tremer e bater o queixo. Repentinamente começou uma ventania muito forte. Agarrei-me ao caule de uma árvore com toda a força possível!
                Não fechei os olhos! Desejava ver tudo! Ninguém acreditaria no que eu estava
Vendo: Formou-se um redemoinho envolvendo a mulher, a casa e o carro.
 
     A floresta toda se iluminou e eu pude então ver o que só havia visto em livrinhos de histórias e na boca das contadoras de historinhas: Duendes,gnomos, pirilampos, fantasminhas camaradas, fadas, bruxas simpáticas, plantas que falavam e cantavam, assisti um bailado sincronizado de árvores que riam felizes como se estivessem a celebrar um milagre. A cena personificada pela natureza era indescritível.
     Um sentimento de plenitude e felicidade invadiu-me. Desejei fazer parte desse universo tão lindo e perfeito que os seres humanos desconhecem!
Estava vivenciando a vida como ela realmente é! E pensava tristemente: Se as pessoas conhecessem esse mundo paralelo, tão próximo de nós, não cometeriam a barbárie de acabarem com as matas, rios, florestas, animais e toda a forma de vida!
     Neste instante, a mulher pálida, transparente e iluminada aproximou-se de mim, esticou suas duas mãos e alcançou-me algo quente e brilhante. Agarrei com força. Não sei o quê era. Fiquei olhando para ela, admirada, de boca aberta, sem poder respirar direito! Assisti a um espetáculo digno de filmes com efeitos especiais: Ela,o carro e a casa foram subindo lentamente por sobre a mata, levados pela força do redemoinho e pela luz que os rodeava até desaparecerem completamente no céu estrelado de lua cheia.
Amanheceu o dia e escutei minha mãe chamando: - Levante! Hora de ir para a escola!
     Abri os olhos e senti dentro de minhas mãos fechadas, algo estranho: Um objeto em cada uma de minhas mãos. Olhei para a mão direita e encontrei uma chave de carro, uma chave bem antiga, dessas que não existem mais.      Na outra mão, a chave de uma casa, também antiga e gasta pelo tempo. Não contaria a ninguém esta história, pois ninguém acreditaria mesmo, porém agora eu estava em paz. O mistério do mato do Busque estava para mim resolvido, a mulher e seus pertences haviam sido libertados pela minha coragem. Eu havia vencido o medo e agora podia seguir minha vida. Levaria comigo as lembranças de um mundo mágico, belo e fabuloso e, a natureza passou a ter para mim uma importância e um significado bem maior, místico e real em minha vida.