Os sentimentos de uma pedra, uma pedra nos sapatos de Kafka
Quem um dia poderia pensar que isto poderia ser verdade, o fato de uma pedra imóvel pensar, desejar e sonhar. Todavia que paralisada, nunca por vontade que não seja a alheia sairia do lugar. Aqueles que por ela passar não vislumbrariam nada mais do que a encosta desmatada de um morro enfeitado com restos de árvores retorcidas com um ralo e seco mato, morada de gafanhotos e outros organismos. Patética talvez, mas na verdade indiferente qualquer um que a visse. Posto que de milhares, bilhares ou silhares de pedras se compõe o mundo todo, na certa alicerces de algo maior. Talvez de uma laje que um dia cairá ou resto esquecido de concreto em alguma obra acabada.
Pedra, sonhava, mas por falta de animação para mover-se, por vezes inúmeras danava-se quando algum pé a chutava. Não sei porque se indignava, pois queria andar e uma vez sendo ajudada sempre resignava. Sorte própria dos ingratos...
Estava mesmo, ouso dizer desde que nascera, acomodada. Entorpecida com seus brinquedos efêmeros, “gadgets” de todas as sortes, mal acostumada a ter tudo, ainda que não passasse no fim de nada.
Então, os dias foram passando percebi que minha vida se esvaia, a muito perdera meu amado estava velha e fraca, calejada pela idade. Meu único filho morrera num dessas guerras lá pelas bandas do oriente. Desolada, porém viva, sofrida, com sonhos alguns completos e muitos por falta de tempo-mortos. Mas, não tão mortos quanto aquela pedra que continua nos arredores daquele morro que hoje dá lugar a um jardim de infância. A pedra está desgastada, mas mais inteira que o meu corpo. Será que adianta viver tanto, se não se pode de fato viver, tendo em vista que a coragem e o movimento são poucos e quando existe é chutado e extintivo?
Encerro essas memórias de uma pedra que jaz chutada pelos quatros cantos, sem nunca poder por falta de vontade decidir de fato o rumo de sua vida.