Passional

Caí embriagada ao pé da cama e massageei as têmporas. Que dor de cabeça. Latejante. O cheiro forte e cor-de-rosa do frasco de perfume que arremessei na parede junto ao do cigarro inebriando o ambiente. O aparelho de som está ligado, minha cabeça pulsa no ritmo do saxofone, estou cansada demais pra ir até ele, desligar no botão ou jogar janela afora. Minhas pernas estão mortas, pesadas. Trago pra perto do peito a garrafa de vinho branco, gelada. Faz um frio glacial nesse quarto. Ali estão, as roupas dela, pelo chão, o perfume, tão doce, tão enjoado, tão forte. Tão presente. Dou um trago no meu cigarro, fiel companheiro, vai se encarregar da minha morte, a finalização do que essa vagabunda iniciou, tornou presente, constante. "... larga a minha mão, solta as unhas do meu coração...", canta uma louca aos berros. Não solto! Retruco. Quero infincar as unhas no teu coração, com toda a minha força, para que ele se desmanche, se dissolva, escorra entre meus dedos. Ou para que fique a ferida, aberta, pulsando escancarada. Na superfície, teus seios, onde a carne é doce e quente, onde eu cansei de repousar meu rosto. Quantas vezes eu morri aí onde você se abre, entre as pernas, onde fica a tua alma úmida, que engolfa e retem. Onde arde. Mas agora é aqui que arde, é aqui que pulsa, aqui no meu interior, coberto de artérias e outros tubos, onde você corre, flui, líquida, quente, vermelha. Transbordante. Encho o copo até transbordar, seguro-o tremendo com a mão e dou risada. Por que agora essa indiferença? Por que agora se instaurou essa desordem, essa apatia entre nós? Meu corpo dói de frio. Os vasos estão todos vazios, eu já devia ter notado. Todos, pintados a mão, obra de dedicação... Só água. Conferi um por um hoje mais cedo quando não te encontrei na cama. Quebrei o turquesa enquanto chorava. Você vai entrar por aquela porta, eu sei que vai, sempre entra, e vai vir até mim, sentará ao pé da cama e secará as minhas lágrimas com a boca. Como sempre foi, tão previsível. Vai abrir meu vestido e implorar beijando minhas coxas, chorando, talvez, mas não querida, dessa vez não, estou cansada. Cansada de me doar, de deixar tua gaiola aberta pra que volte quando quiser. Agora vai ser diferente, você vai ficar se voltar. Vai sim, pra sempre comigo, sem direito de escolha, sem opção. Vou te impor. Morder sem assoprar. Um vento gelado como a lâmina de uma faca entra pela janela, levanto e caminho cambaleante, fecho-a. A minha boca que eu amo já mordi até sangrar, veja, é você se esvaindo. Vou me ver livre, prisão tão doce... Abro a gaveta do criado mudo, e pego o que dará fim a nós.

WsCaldas
Enviado por WsCaldas em 29/08/2013
Código do texto: T4457817
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