Os caprichos de Severino

Severino Arruda era daquelas pessoas muito apegadas a datas e suas respectivas superstições.

No dia de Natal, assistia à Missa do Galo e depois, vestido de Papai Noel, saía pelas ruas distribuindo brinquedos para as crianças pobres. Seu traje, guardava em cima do guarda-roupa, junto com a máscara de coelho que usava na Páscoa, que também o levava à rua distribuindo balas e doces para a criançada.

Festas de São João e de Santo Antônio, Severino se caracterizava de caipira, vestia uma velha e remendada camisa xadrez avermelhada, um chapéu de palha carcomido na aba e fazia uma bela fogueira no quintal. Assava batata doce na brasa, fazia quentão e convidava os vizinhos para o arrasta-pé.

Ele era uma figura, um verdadeiro aficionado por datas. Além de guardar todas de cabeça, acreditava nas crendices e respeitava os folclores de todas elas.

No seu aniversário sempre tinha um bolo, por mais simples que fosse, sempre soprava as velinhas, mesmo quando se encontrava sozinho.

Nunca deixou de levar uma rosa, sempre acompanhada de um belo cartão de amor e eterna gratidão, para sua mãe no dia em que ela aniversariava. Mesmo depois de ela já ter falecido, lá estava ele no cemitério cantando “Parabéns pra você”.

No Dia dos Namorados, quando lhe faltava uma, não esquecia de sua ex-esposa, levava-lhe uma lembrança, sempre com total discrição, para que o novo marido dela não sentisse ciúmes.

Dia dos Pais, presenteava o seu com um chinelo de pano, era sempre do mesmo modelo, o mesmo que seu pai usava quando ele era ainda criança. Nunca esquecera, porque seu pai lhe batia com ele com delicadeza.

Por ironia do destino, andava Severino Arruda distraído, logo numa sexta-feira treze. Quando se deu conta, já era tarde, havia passado debaixo de uma escada que um pintor utilizava para pintar um letreiro de loja. Não teve dúvida que algo de trágico aconteceria em sua vida naquele dia. A poucos metros do incidente com a escada, viu um gato preto atravessando a rua, que seria abatido por um carro em alta velocidade. O motorista, talvez por superstição, desviou o carro, poupou o gato, mas pegou em cheio o Severino na calçada.

Severino não morreu ao ser atropelado. Ficou em coma por meses. Ninguém mais acreditava que ele ia morrer, nem tampouco que ele ia voltar a viver. Mas Severino era tão caprichoso, dava tanta importância às datas, que fez questão de morrer no dia primeiro de novembro só para ser enterrado no dia de Finados.

julio damasio
Enviado por julio damasio em 11/04/2007
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