Às margens da piscina

Era uma criança que não parava quieta nem um instante. O pai, um senhor de meia idade, tranquilo, bonachão e sem muita energia para lidar com ele, já não sabia mais o que fazer. Ele desenhava nos papéis importantes que eram guardados na gaveta do escritório do pai, escondia-lhe os óculos, colocava açúcar no recipiente destinado ao sal e outras travessuras. Pedrinho era ao mesmo tempo o terror e o amor dos que o rodeavam.

Certo dia, quando Pedrinho estava um pouco mais crescido, o pai precisou viajar com urgência por motivo de trabalho e o deixou responsável pelo irmão mais novo e é claro, sob o olhar cuidadoso da tia já idosa porém firme, a quem o menino costumava obedecer e respeitar. O velho saiu cedo, enquanto Pedrinho dormia e assim, pode viajar acreditando estar tudo sob controle.

Mas essa convicção dissipou-se rapidamente ao primeiro telefonema da tia. Pedrinho não obedecia a nenhuma orientação, matava aulas, dava toda a mesada aos amigos, fazia os gostos do irmão mais novo e mandava na casa como queria. Começava até a sair sem avisar, ignorando a qualquer apelo da tia.

O pai a princípio ignorou as queixas achando que era apenas birra e que o menino tomaria jeito quando se habituasse um pouco mais à presença da velha e bondosa tia. Sempre ocupado e despreocupado, dava desculpas sempre que a senhora ligava com os cabelos em pé. Com o passar do tempo, vendo que a viagem seria muito longa e que não havia outro jeito senão se posicionar frente a rebeldia do filho, o pai comprou as passagens e deu ordem para que Pedrinho fosse a seu encontro imediatamente.

A tia pensou em como dar a notícia sem causar uma guerra, já que conhecia o gênio forte do menino que com certeza não aceitaria a imposição. Dito e feito.

-Pedro!

- Que é, tia?

- Seu pai telefonou.

- Tá.

- E você não vai perguntar o que ele queria?

- Hum...

- Ele disse que comprou as passagens para você ir até Portugal, onde ele está. Já conseguiu colégio também. Você só volta quando ele voltar.

- De jeito nenhum. Não tô a fim de sair daqui.

- Mas Pedro, seu pai mandou... Quer você perto dele.

- Não quero não.

- Pedrinho! Você tem de obedecer, ele é seu pai!

E antes que a tia continuasse o discurso, o menino saiu às pressas. Sem olhar para trás como era de costume. Entrou no quarto, pegou a mochila e saiu sem se despedir. Uma ruga franzia-lhe a testa. Não queria ir embora, deixar o colégio e deixar sua casa na qual mandava como achava melhor. E agora? Ao chegar ao colégio, expôs o problema aos amigos, que pediram insistentemente que ele ficasse.

-Fico! Disse Pedrinho. – A casa é minha e papai que quis ir embora que se arranje!

Assim, chegou, tomou banho e foi para a cozinha em busca do jantar que exalava um aroma delicioso. Comia deliciado, enquanto a tia o olhava preocupada. Iria sair da mesa quando novamente a tia o interpelou.

-Pedro...

-Hum.

- Seu pai ligou novamente. Quer saber se você já se preparou para a viagem. Não se incomode, amanhã irei ao seu colégio e...

- Diga a ele que eu fico.

- Como?

- Eu fico!!

E levantou-se sem mais nenhuma palavra. Limpando a boca com o guardanapo e recusando-se a ouvir qualquer tentativa de argumento da pobre senhora que limpava o suor do rosto e suspirava. A mulher pensou alguns instantes, levantou-se e foi atrás do menino que ouvia música próximo à piscina.

-Pedro venha cá!

-Que é?

- obedeça a seu pai e vá arrumar suas malas. Você é só um menino e eu não posso, não tenho mais idade para orientar você.

-Tia... está tudo indo bem aqui sem o papai. Ele precisava ficar em Portugal mas essa casa é minha e ele me deixou responsável por ela. Eu já disse que fico.

A tia saiu desistindo em fim de convencer o menino. Não havia nada a ser feito. Agora cabia a ela a tarefa de ligar e pedir que o pai do menino cancelasse as passagens.

Pedrinho olha de longe a tia se afastar. Já era um rapaz, não precisava do pai para cuidar da própria casa.Fazer o quê? Se Portugal exigiu a presença do pai, sua casa exigia a sua. Ficou de pé frente a piscina. Sentia o vento pelos cabelos. Sua casa. Ele era importante ali e não pensava no resto. Dar satisfações? De jeito nenhum.

Em fim, a tia entra na casa e fecha a porta. Pedrinho de pé vê-se sozinho. Sorri com ar de conquista e grita à beira da Piscina

-Independência!!

Todo o quarteirão ouve o berro malcriado e imponente. A noite fica mais negra e todos já começam a se recolher. Pedrinho entra em casa pronto para fazer o mesmo. Troca de roupa e antes de se deitar, passa pelo quarto da tia e bate à porta.

- Diga Pedrinho..o que foi?

Amanhã é dia cinco. Minha mesada?. papai depositou?

E a independência fica às margens da piscina.