= A VIÚVA DO SOLAR DOS GATOS =

“A VIÚVA DO SOLAR DOS GATOS”

(Estórias de tio Nelson. )

=Ficção? Ou verdade?=

Ronaldo Trigueiros Lima

O fato é que isso ficou na minha cabeça por uma eternidade.

Imagine, caminhava calmamente pelo centro da cidade, -início dos anos sessenta- quando ao atravessar para o outro lado da calçada, “bati de frente” com aquela senhora esguia, estranha, moradora do “Solar dos Gatos”. Nunca a tinha visto assim de perto, somente em rápido relance, como uma sombra fugidia por trás das cortinas da janela da mansão.

Vez enquanto, com certeza, em auge de solidão, arriscava-se a olhar a rua, imaginando-se liberta dos Cochichos sombrosos e maldizentes.

No entanto, naquele momento, exposta à travessia, braços dados a uma senhora parda de fino trato, (certamente sua acompanhante), pareceu-me um “vidro” pronto a se quebrar. Trêmula, assustada, cabeça coberta por um chapéu com um véu negro sobreposto a cobrir-lhe o rosto, deu-me a impressão de ter sentido o seu olhar desconfiado, como se tivesse me reconhecido pelas vezes tantas, que passei bisbilhoteiro frente ao solar onde morava.

Decididamente era uma figura enigmática, não só pelo seu vestuário antigo, mas sobretudo, pelo seu andar assustado, desprotegido, e fugidio. Parecia um fantasma às avessas, perdido no tempo desencontrado.

Anos antes, ao passar pelo Solar junto com tio Nelson,

ouvi dele comentários espirituosos, sobre a tal viúva dona do Solar, não só pela impressão fantasmagórica do prédio, nem da enorme população de gatos, que se apinhavam pelos cantos do imenso avarandado, mas principalmente pelo aspecto misterioso e impactante de uma úlcera exposta, que lhe deformava o rosto outrora famoso pela beleza.

Dificilmente poderia se acreditar que naquele espaço abandonado, viveram pessoas estreitamente ligadas a nobreza imperial, e que mesmo após a queda do império, ainda abrigaria monárquicos acabrunhados, escondidos dos olhos da cidade que lentamente crescia, e se posicionava como capital de um estado federativo da república recém inaugurada. Qualquer pessoa menos informada, não acreditaria anti o prédio decadente, no brilho de outros tempos, nem nos risos, nem nos leques, que deslizaram pelos bailes cobiçados, verdadeiros trampolins para ascensão social dignificante, extremamente desejada, sob forma de convite nominal.

Como acreditar, depois de tantos anos, que ali pudesse existir -apesar do tempo- uma descendente da fidalguia destronada, bisneta assustada de uma condessa, que em sua época gozara de enorme prestígio na “Corte” do Imperador D.Pedro II, “Dama de Honor” da Imperatriz D. Tereza Cristina?!

Quem poderia imaginar, se o tempo retroagisse, que na mansão repleta de gatos e musgos, tinha se transformado num refúgio de altas paredes, onde uma mulher assustada, envelhecida, herdeira do tempo das lembranças, se enterraria para que ninguém visse seu rosto?!

Quando “atravessei” a rua, naquele momento, lembrei-me da estória que meu tio contara, e sobretudo, da impressão que suas palavras me causariam: “- A terapia de um bife bovino sobre a ferida do rosto”, que por muito tempo deu-me náuseas de espanto!

Talvez seja exatamente isso, que tenha despertado em mim a curiosidade essencial dos contistas, e ao reboque, de tudo, a morbidez de constatar a verdade que se escondia por trás daquele negro véu do medo.

Certamente, jamais teria coragem de desvendá-lo, até por princípio.

Juro!...

Niterói, em 22.07.013

Ronaldo Trigueiros Lima

RONALDO TRIGUEIROS LIMA
Enviado por RONALDO TRIGUEIROS LIMA em 07/08/2013
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